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Quer que conte um conto?

País tropical, Brasil tem nova lenda sobre noite de Natal

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Autor/Imagem:
Hannah Carpeso - Foto Produção Irene Araújo

– Tomás, quer que eu conte uma história antes de dormir?, pergunta Janaina ao filho deitado.

– Sim, mãe. Sabe alguma sobre o Natal?

– Por que sobre o Natal?

– Hoje, na escola, recebemos uma visita que nos perguntou se sabíamos o motivo de montarmos uma árvore de Natal. Você sabe?

– Como assim, filho? Conte.

Ninguém sabia, então, ela disse:

-Vocês conhecem as estações do ano?

Nós respondemos: Sim.

E ela continuou:

– Então, vocês sabem que em alguns lugares o frio é tanto que as árvores perdem as folhas. E, muito antigamente, os povos marcavam o dia mais curto e a noite mais longa do ano, que geralmente acontecia no dia 21 ou 22 de dezembro, usando galhos com folhas verdes. Essas plantas serviam para lembrar que outras folhagens cresceriam novamente, assim que terminasse o inverno. Esses povos eram chamados de pagãos. Cultuavam as árvores como sagradas, porque viviam por muitos anos. E também possuíam um significado de estabilidade, força, união e alimentos.

Outros povos acreditavam que simbolizavam a vida eterna e tinham a capacidade de afastar os maus espíritos e as doenças, por isso, penduravam galhos com folhagens verdes nas portas e dentro de casa. E os únicos galhos que tinham folhas eram os pinheiros. Daí, serem escolhidos mais tarde, como símbolo da festa natalina.

Dizem que a primeira árvore de Natal foi montada em 1419 pelos padeiros numa cidade alemã. Começaram a decorar um pinheiro todos os anos com: maçãs, frutas e nozes. E, no dia de Ano Novo as crianças podiam sacudir a árvore e comerem o que caia dela. Daí a ideia dos presentes

O mundo adotou o pinheiro como a árvore de Natal e cada um decidiu como enfeitar. Mesmo nos países onde as árvores não perdem suas folhas usam os pinheiros como árvores de Natal.

– Aí, o Tiago perguntou pra ela.

– Aqui no Brasil as árvores não perdem as folhas. Lá em casa tem um pinheiro de plástico com bolas coloridas. A gente não pode comer.

-Eu pensei que ela fosse brigar. Mas sorriu.

-Você tem razão, nós importamos essa tradição para enfeitar a época natalina.

– Poxa, Tomás que lindo! Adorei ouvir. Afinal, foi você que contou a história hoje. Amanhã eu vou pensar em uma.

Agora é hora de dormir. Boa noite.

Janaína ficou admirada com seu filho. Como ele conseguiu aprender e contar toda a história que ouviu? Que bom, que a escola permitia essas visitas.

Apagou a luz e debruçou-se na janela aberta.

Da sua casa sem reboco, situada no alto do morro, conseguia ver a silhueta da cidade e ouvir o seu burburinho.

Ao olhar as ruelas da subida iluminadas pelas janelas abertas, o movimento do vai e vem das pessoas carregadas de pacotes e sacos de mercado imaginou os preparativos da ceia de Natal; despertou nela um sentimento diferente.

Aquela noite custou a dormir revivendo as palavras de Tomás.

Ainda madrugada, levantou.

Voltou a debruçar na janela. E viu que as luzes já haviam sido apagadas; o silêncio das ruelas só era quebrado pelos passos apressados de quem descia o morro no compromisso de horário.

Dia clareado e Janaína na janela.

Percebeu pela primeira vez: as mangueiras na vizinhança, o capim teimoso que cresce nas frestas dos degraus, as bananeiras do Seu Zé plantadas em garrafão de água e, até as embalagens de isopor que eram usadas para o plantio de coentro e salsinha – temperos que a Zefinha distribuía entre os moradores.

Olhou para o céu e agradeceu a Deus por viver num país tropical.

O ventilador espalhava o ar quente que batia e rebatia entre as paredes de tijolos que guardavam o calor do verão.

É a vida no morro – já virou tradição.

No dia seguinte, Janaína tomou uma decisão. Foi ao líder comunitário. Pediu uma entrevista. Agendada, no dia certo, levou consigo um envelope com suas ideias. Faltavam quinze dias para o Natal.

Waldomiro, o “síndico” do morro, gostou do que ouviu e viu. E numa manhã de um sábado, dia de roda de samba, juntou a mulherada e as crianças e deu voz a Janaína.

Empolgada, ela mostrou seus desejos de organizar um Natal diferente.

– Somos pessoas simples e ordeiras e por que é tão difícil ter um Natal Coletivo na Comunidade? Muitos moradores passam sozinhos, sem parentes, sem cuidados. Vamos inovar. Já dizia um sambista das antigas: o morro pede passagem, morro quer se mostrar; abram alas pro morro, tamborim vai falar…

De mão em mão o papel foi passando e numa mesa improvisada Janaína anotava quem e o quê cada um precisava.

Votaram mesmo na ausência do seu Eustáquio que ele seria o velhinho.

O saco deveria ser costurado para caber todas as surpresas a serem preparadas e dadas de presente para a criançada.

Janaína se encarregaria de montar uma roupa de papel crepom e torcer pro Seu Eustáquio não suar, senão ficaria manchado de vermelho, o velho gordão.

A laje já era o local escolhido e no lugar de pinheiro, as bananeiras do Zezinho, enfeitadas com laços de fita que a garotada ficou de fazer. Música natalina estava prevista, mas o samba de roda não iria deixar de acontecer.

Churrasquinho na brasa seria a ceia e cerveja no lugar do vinho, bem gelada no tonel de gelo que Waldomiro iria providenciar.

Um Natal de verão na laje. Bem no alto do morro sob o olhar do Redentor, que acima protegia cada morador.

Nunca no morro apareceu tanta ajuda.

Nas ruelas, bandeirinhas de São João, foram penduradas misturadas com bolas de isopor douradas – retiradas de fantasias de carnaval. Afinal criatividade é que não falta ao brasileiro.

E a laje. Recebeu aparelhagem de som. Carvão não faltou e o bar do Tenebroso cedeu mesas e cadeiras sem choro.

Dezembro já chegara, e o morro em rebuliço se preparava.

Algumas moradoras trabalhavam em casa de família, e não perderam a oportunidade de conversar sobre o que iria acontecer. Muitas conseguiram doações de pisca – pisca bonecas e brinquedos novos para surpreender as crianças. Os pastores com seus crentes se cotizaram e ofertaram uma bicicleta a ser sorteada.

Até a livraria que ficava próxima da entrada do morro doou caixas de livros sugerindo que inaugurassem uma biblioteca no centro comunitário.

A laje ficou pequena. Vizinhos tiveram que acolher o tanto de gente que apareceu… E teve gente de fora que adentrou como penetra na festa. Traziam garrafa de champanhe e taça de cristal. Apareceu até uma bandeja com um peru inteiro. Ninguém soube quem colocou na mesa do churrasco.

Gente de todas as cores, de todo nível social – todos brasileiros colaborando com a festa de Natal. Noite digna de registro, filmagem por celular a circular pela cidade. Exemplo de harmonia e humanidade.

No final da festa, recolhidos o lixo e apetrechos, pouco a pouco a laje esvaziou. Janaína foi a última. Chegou em casa, exausta e se deitou junto ao filho. Estava feliz.

Tomás percebeu que a mãe dormira, e levantou de mansinho, deixando ao lado da janela uma surpresa.

Manhã mais fresca, Janaina se levanta e quase tropeça no presente. Assustada, não percebeu a alegria do filho.

– Gostou? É pra você.

– Um pinheirinho?

– Comprei.

– Uau! Um pinheiro de verdade! Tão lindo! Filho, você gostou da nossa festa?

– Mãe, eu adorei a festa. Também quis fazer uma surpresa. Depois da escola, mesmo de uniforme, consegui com seu Josafá umas balinhas. E vendi no sinal. Economizei durante três dias e fui ao mercado. Vi um pinheiro grande, e fiquei admirando. O moço chegou e perguntou o que eu queria. Falei que gostava daquele pinheiro. Ele disse o preço, mas percebi que era muito pesado para eu carregar, então escolhi um menor, mas ainda não dava para carregar… Eu disse para o moço que eu podia pagar e mostrei o que eu tinha. Ele então olhou e me entregou esse vasinho. É pequeno, mas ele garantiu que se eu plantar vai crescer e que eu só precisava pagar uma parte. A outra ele me dava de presente de Natal. Muito legal.

– Poxa, filho!

– Eu sei que nós vivemos num país tropical, e podemos criar muitas coisas novas, com o que temos. Nossas árvores estão sempre floridas e verdes. Mas pensei que esse pinheiro reviveria o espírito do Natal. Não esqueci a história que ouvi sobre quando tudo começou. Feliz Natal, mamãe!

Janaina abraçou o filho com tanta força, escondendo o rosto para que ele não a visse chorar.

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