Orestes, o persuasivo
Velho encrenqueiro, sem juízo, vai parar no hospício
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emOrestes, aposentado há quase uma década, tinha certo prestígio na quadra. Não tanto por conta da sapiência, que nem era tanta. É que o povo dali costumava dar ouvidos aos idosos, ainda mais os que ostentavam calvície ampla.
— Dona Inocência, preciso falar algo urgente pra senhora.
— Pois diga, Orestes, que deixei o feijão no fogo.
— Sonhei com a senhora.
— Sonhou comigo? Que história é essa? Já esqueceu que sou casada?
— Sonhei é modo de falar. Na verdade, foi um pesadelo.
— Pesadelo? Que pesadelo, homem?
— Que a senhora estava sendo traída pelo seu marido.
— Que história é essa, Orestes?
— Pois é, dona Inocência, pesadelo é algo que vem sem a gente querer. Mas a senhora conhece aquele ditado, né?
— Que ditado, homem?
— Onde há fumaça, há fogo.
A mulher deu de ombros e foi embora, mesmo porque não queria deixar o feijão queimar. No entanto, a semente da dúvida havia sido lançada. Tanto é que, no finalzinho daquele dia, quando Júlio, o esposo, entrou pela porta da residência, percebeu a esposa com o olhar repleto de fel.
— Aconteceu alguma coisa, amor?
— Amor? É assim que você também chama a outra?
— Que outra?
— Deixa de ser cínico, Júlio! Já sei de tudo!
— De tudo? Do que você está falando, Inocência?
— Tu tá me traindo, sem-vergonha!
O homem arregalou os olhos, a boca ficou seca. Não se sabe se era surpresa ou sinal de culpa. Seja como for, passou quase uma semana dormindo no sofá, até que Inocência o aceitou de volta na cama do casal.
Nem só de pesadelos vivia Orestes. Outra artimanha do idoso era fingir mal-estar passageiro diante de alguém do qual possuísse certa antipatia. E foi assim que aconteceu na fila do caixa na padaria do Ernesto.
Orestes, que era o penúltimo, percebeu a presença do Leopoldo logo atrás. Pra quê? O velho, artista que era, cambaleou o corpo e foi aparado pelo desafeto, que se mostrou preocupado.
— Orestes, você está bem?
— Ah, Leopoldo! É você?
— Sim. Por quê?
— É que sempre tenho essas tonturas quando pressinto algo ruim.
— Como assim?
— Almas peregrinas, meu amigo.
— Almas peregrinas?
— Sim! E temo que uma tenha se apossado do seu corpo. Acontece sempre.
Leopoldo fez cara de assustado, justamente no momento em que todos na padaria olharam para ele. E Orestes tratou logo de complementar a lorota.
— Hum, Leopoldo, e creio que o seu caso é o pior que já vi.
— Por quê, Orestes?
— Não está sentindo o cheiro de enxofre?
Instantaneamente, as pessoas trataram de tampar as narinas e saíram correndo da padaria. Quanto ao Leopoldo, parece que perdeu o juízo. Foi internado na semana seguinte no sanatório e, dizem, não diz coisa com coisa.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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