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Véinhos

Dupla de trapalhões planeja e vê assalto a banco falhar

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Produção Francisco Filipino

Eles eram amigos. Mais que isso, trabalharam muitos anos lado a lado, nas mesmas editoras de revistas e livros. Ambos moravam em São Paulo – um vindo de Santa Catarina, outro da Paraíba – e naturalizaram-se corintianos, fiéis torcedores do Timão. Os dois recebiam uma aposentadoria ridícula e viam os frilas escassear. E, detalhe importante neste conto, tratavam-se por véio.

Um dos véínhos descobriu que era possível escrever para si mesmo, não apenas sob encomenda para editoras. Passou a criar contos e a postá-los no Face. E depois a publicá-los em livros, já havia lançado seis. O outro véínho curtia regularmente os textos do amigo.

Certo dia, o contista enviou-lhe uma mensagem:

– Véio, somos amigos e você gosta dos meus contos. Quer comprar meus livros? Mando os seis pdfs por 90 reais. E vendo separadamente cada pdf por 15 reais. Você conhece os títulos de meus livros, diga qual deseja que mando agora. Paga quando puder. E se não quiser comprar, não tem problema.

– Véio, queria comprar todos. O problema é que estou há um ano sem trabalhar, não estou comprando nem manteiga. Então agora não dá.

Sem manteiga? Isso é grave. E se pintasse uma tangueada em Paris? Ele ia ficar todo esfolado.

– Véio, e se a gente assaltasse um banco? O problema é que não posso correr, não tenho fôlego por causa do cigarro, e nem dirigir o carro de fuga, tive uma catarata mal curada e vejo com um olho só. Aliás, nenhum de nós dois tem carro. Então vou aplaudir enquanto você pega a grana e sai correndo até entrar num Uber.

– Véio, esqueceu que tive trombose na perna? Não consigo correr de jeito nenhum!

Seguiram-se os kkks de praxe, a troca de emojis, e o papo ficou nisso. Mas depois foi retomado, a coisa amadureceu, e decidiram fazer o assalto. Não haveria carro, não tinha como, nem armas – eram contra. A ideia era levar o pessoal do banco na conversa, pegar algum dinheiro, não precisava ser muito, e fugir, enquanto o parceiro chamava o Uber.

Pouco antes da hora combinada para o assalto, um dos véínhos escreveu às pressas o bilhete. Se tudo corresse bem, era o que faria o caixa entregar a grana.

Na hora marcada, encontraram-se na porta do banco. Entraram juntos, sem falar um com o outro. O do bilhete foi ao caixa reservado aos idosos e entregou o papel. Ora, bilhete de assalto que se preze informa, em maiúsculas:

ASSALTO. PASSA A GRANA OU LEVA CHUMBO (ou algo assim, nunca escrevi um bilhete de assalto antes).

No do véínho estava escrito:

Isso é um assalto. Passe o dinheiro, ou meu parceiro vai começar a atirar em pessoas inocentes.

O pior é que o bilhete fora escrito a mão por um redator profissional, que há mais de 25 anos só escrevia em computador. Sua letra, que jamais fora boa, havia se tornado uma série de garranchos ilegíveis. O resultado foi que o caixa perguntou:

– Senhor, não entendi o que está escrito. Pode me dizer, por favor?

– Isso é um assalto. Passe o dinheiro, ou meu parceiro começará a atirar em pessoas inocentes – murmurou baixinho.

– Não ouvi, senhor. Pode falar mais alto?

Véínhos costumam ser rabugentos, e este era muito. Exasperado, gritou:

– ISSO É UM ASSALTO!

Aí percebeu a bobagem e calou a boca, mas os seguranças já avançavam em sua direção. Foi preso no ato, e o parceiro, a 5 metros da entrada do banco, quando ligava para um Uber.

No Distrito Policial, o delegado incumbido do caso puxou seus prontuários, seus currículos e observou:

– Nenhuma condenação penal… Professores, humm… Redatores nas principais editoras brasileiras, legal… Mas uns assaltantes de bosta! Cadê a arma do assalto?

– Não tinha… – murmuraram os dois timidamente.

– É, me falaram que não havia. Não acreditei mas agora, vendo vocês, falando com vocês, acredito. E o carro de fuga?

– Não tinha, íamos chamar um Uber…

O delegado começou a rir.

– Taquepariu! O que faço com os dois palhaços? Se coloco vocês atrás das grades, se ferram na primeira noite, apanham porque os presos não gostam de carne velha e os dois podem até morrer. Ah, quer saber? Vão embora daqui, seus otários!

– Nunca mais, véio! Escapamos por milagre – falou um deles, tão logo saíram do DP.

– Foi mesmo, véio. Vamos chamar um Uber. Mas antes, vamos até o caixa eletrônico da esquina.

No caixa, pegou o cartão, sacou 1000 reais e entregou ao amigo.

– Olha, véio, tô ferrado, mas tô melhor que você. Essa grana é pra manteiga, é preciso ter sempre em casa, pro pão e pra uma eventual tangueada. – Fez uma pausa e concluiu:

– Pensando bem, véio, compra margarina. É menos saborosa, mas desliza igual. E manteiga tá cara pra dedéu!

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