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Ceará

Demorou, mas Gecileine teve finalmente seu dia de sorte

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Gecileine dos Santos, cuja ausência do sobrenome do pai, não declarado que era, poderia ser Pobreza. Que fosse miséria, que, afinal, condizia com a situação de penúria que a mulher conhecia desde que se conhecia por gente. Gente?

Ser humano de segunda classe, isto é, se tivesse alguma, Gecileine comeria de bom grado o pão que o diabo amassou. Ao menos, seria algo para forrar o estômago. Os crédulos diriam que a mulher ainda estava viva por um milagre. Quanto aos incrédulos, afirmariam que era simples obra do acaso. Seja como for, esses dois grupos tinham algo em comum: ninguém ligava para as agruras, que eram inúmeras, da quase moribunda.

A pobretona, afinal de contas, seguiu os passos da mãe. Engravidou, e o quase cônjuge escafedeu-se para não se sabe onde. Um traste por assim dizer. Seja como for, Gecileine não tinha tempo para reclamar, pois a barriga crescia a cada semana. E foi o que ela fez.

Já com sete meses de gravidez, Gecileine conseguiu um trabalho de um dia. Um dia, mas que lhe renderia o suficiente para passar um mês inteiro. Não que fosse grande quantia, mas era muito mais do que ela estava acostumada a receber.

Cozinheira! Era essa a função que Gecileine havia conseguido. Apesar da ironia dela ser contratada para encher o bucho de um grupo enorme de pessoas, enquanto sua própria existência tinha sido repleta de fome, a mulher até que sabia juntar os ingredientes de modo convincente, desde que os paladares não fossem tão exigentes.

Boca-livre! Era um evento de um afamado político ali na região do Cariri, que queria se eleger pela enésima vez. E o homem gostava de esbanjar, tanto é que mandou matar dois bois para alimentar aquela quantidade enorme de eleitores. Ainda bem que Gecileine contava com três ajudantes na cozinha, pois era tanta comida, e o candidato precisava conseguir os votos necessários.

Lá pelas tantas, panelas fervendo, o cheiro dos pratos foi se espalhando pela enorme propriedade, o que deixou o povo alvoroçado. Não tardou, os inúmeros garçons começaram a entrar e sair da cozinha para servir toda aquela gente. E, enquanto as pessoas devoravam aquele monte de comida, o anfitrião fazia o discurso.

— No meu governo vai ser assim! Fartura para todos!

E o público aplaudia de boca cheia.

Já perto do final do evento, Gecileine conseguiu se sentar e devorar dois pratos. A fome era imensa, e o bebê a caminho necessitava. Ela olhou ao redor e percebeu que todos os outros contratados haviam saído do recinto.

Gecileine constatou que o dono da casa havia exagerado na quantidade de ingredientes. Gordos que eram os bois, bastava um para alimentar aquele mundaréu de convidados. Foi aí que ela, diante de duas peças inteiras de carne, resolveu escondê-las debaixo da roupa.

Colocou uma. Olhou para a direção da porta, ninguém percebeu. Tomou coragem e logo estava com aquela quantidade enorme de carnes forrando a sua barriga, que já despontava. Quem a visse naquele momento, certamente diria que estava prestes a parir.

A grávida pensou em colocar mais alguma coisa debaixo da roupa, quando, de repente, o anfitrião entrou na cozinha. Imediatamente, Gecileine se virou para o rumo da pia e começou a lavar alguns pratos. Teria o homem percebido?

— Qual é mesmo o seu nome, mocinha?

— Gecileine.

— Pois deixe isso aí, que não te contratei pra lavar louça.

Gecileine ficou paralisada. Teve certeza de que o patrão por um dia a iria mandar embora. Pior! Tão poderoso que era, certamente ordenaria que a prendesse por furto. Ele se aproximou e a puxou pelo braço.

— Vem dançar comigo, moça!

O forró comendo solto, lá estava aquele casal improvisado, corpos colados, quando o sujeito se afastou.

— Você está com a roupa toda molhada, mulher!

Gecileine, agora não tinha a menor dúvida, havia sido descoberta por causa do líquido que a carne soltava. Sairia dali direto para a delegacia. O homem era poderoso. Ela passaria todo a sua desgraçada vida na cadeia.

— Tá aqui o seu dinheiro. E toma mais este aqui, que o pessoal elogiou muito a sua comida. E pode pegar aquelas duas sacolas ali no canto e encher de carne.

A cozinheira, incrédula, obedeceu e, antes que saísse, ouviu mais essa:

— Gecileine, é esse o seu nome, né?

— Sim, senhor.

— Pois quero você aqui de novo pra fazer a comida da minha vitória nas eleições.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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