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Um encontro inesperado

De um jantar sem companhia a uma festa que provoca nostalgia

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Autor/Imagem:
Hannah Carpeso - Foto Produção Irene Araújo

Noite chuvosa. Andava pela rua. Saíra do trabalho tarde e aguardava um taxi que não chegava. Decidiu então, caminhar até o restaurante próximo.

Não almoçara ainda e o estômago se fazia notar. O pior da chuva não é o molhar, mas sim, o vento que a acompanha e que teima em lutar contra o guarda-chuva.

Encharcada adentra o restaurante e pede uma mesa. Há muito não jantava sozinha. Sempre com amigos ou colegas de trabalho. Ficar só nesse dia foi uma boa experiência. Poderia comer sem obrigatoriamente ter que responder a alguém ou falar algo para quebrar o silêncio que por vezes se instalava no grupo.

Estranha a sensação de silêncio das vozes já que a mente falava o tempo todo.

Pegou o cardápio na mesa ao lado e escolheu; o tempo úmido pedia sopa bem quente. Chamou o garçom.

-Por favor, uma sopa de aspargos, uma porção de pãozinho e uma taça de vinho tinto da casa.

Olhou ao redor, o restaurante estava praticamente vazio. Uma noite daquela não era mesmo convidativa para sair.

Olhava pela janela, observando a chuva caindo, criando poças na calçada, as luzes dos postes refletidas no chão criavam uma sensação estranha de bem estar.

Interessante… Não notara os postes ainda de ferro e baixinhos um contraste com os da avenida central de tão altos. E, as lâmpadas iluminavam em amarelo o que dava ao cenário um clima nostálgico.

Lembrou-se de quando criança, brincando na chuva, molhando os pés calçados e recebendo bronca da sua mãe ao entrar em casa toda suja, porque naquele tempo, a rua em que morava não era asfaltada ainda. Tempos alegres.

De repente sua atenção se volta para uma sombra atravessando a rua em direção oposta. Uma figura masculina curvada, correndo como se fugisse entre os pingos grossos que eram derramados do céu. Sorriu, achando graça da forma como as pessoas pensam que se protegem. Lembrou-se do seu pai que dizia “se chover, não adianta correr. Se correr vai chegar molhada e cansada, logo, caminhe e busque abrigo”.

Volta à realidade com a presença do garçom que lhe trouxe a sopa e o vinho. Por segundos, aprecia a mesa. Puxa o pratinho de pão para a sua direita, rasga a broa com as mãos e mergulha a colher na sopa quente de onde o sinal de vapor indica que deve aguardar mais um pouco antes de prová-la.

Aproveitou, então para sorver um gole de vinho – que lhe caiu muito bem.

Uma sensação licorosa que deslizava pela garganta e ao mesmo tempo se espraiava aquecendo o corpo.

Momento único – especial. Não sabia explicar, mas estava se sentido bem.

Tranquila e feliz com si mesma.

De repente, um som de piano leva o seu olhar para o fundo da sala. Ali. Meio escondido entre a pilastra e o balcão, um jovem ruivo de pele alva deslizava os dedos pelo teclado. Aquela figura apesar de masculina lhe dava uma estranha sensação de fragilidade.

Dedicou mais tempo a observá-lo e ouvi-lo. A música no princípio suave aos poucos ganhava vigor acompanhada de movimentos rítmicos da cabeça que fazia os cabelos avermelhados se rebelassem sobre a testa sofrendo o ânimo das notas que invadiam o ambiente.

Minutos seguidos de acordes, fechou os olhos e deixou-se levar pela lembrança infantil quando desejava ser bailarina.

Perdeu-se na lembrança, e só se deu conta quando percebeu o silêncio no ar que a fez parar mentalmente de dançar. Desconsertada, olhou ao redor e viu o garçom apoiado no balcão aguardando que ela pedisse a conta – pois não havia mais ninguém.

Aprumou-se na cadeira, pediu um café.

Olhou o celular, onze e meia, o tempo passara, e nem percebera que a chuva dera uma trégua. O chão permanecia molhado ainda, refletindo sombras entre calçadas e parede. Saiu do restaurante e caminhou até o ponto de táxi.

Abriu a porta do carro – sentou-se, deu o endereço ao motorista, abriu a janela para melhor apreciar o caminho e relaxada sorriu.

– Preciso fazer isso mais vezes. Gostei da minha companhia.

De repente, o celular toca. Remexe na bolsa, para encontrá-lo.

– Alô?

– Oi querida, onde você está?

– Indo pra casa.

– Como? Nada disso. Vem pra cá estamos numa festinha de despedida do Hamilton. Lembra-se dele, não lembra?

– Sim, o parceiro do João que vai trabalhar no Japão.

– Então. Resolvemos fazer o bota fora. Você está sendo aguardada, tudo muito informal, foi uma festa surpresa pra ele.

– Mas, eu já estou…

– Nada de desculpas. Nosso amigo vai embora e hoje vamos dar um sayonara.

– Está bem.

Alterou o percurso e logo estava tocando a campainha da casa de Tito. Foi recebida pelo anfitrião já alcoolizado que abraçado a empurrava para dentro.

Cumprimentos com muitos beijos e abraços. Na verdade, a multidão era formada do pessoal do trabalho e alguns outros amigos íntimos de Hamilton.

Sentiu-se um pouco desconfortável. Não era bem o que desejava naquele momento.

Como protagonista, sentou-se no sofá a observar o ambiente. A casa de Tito era um tanto descuidada – coisa de homem solteiro. A turma do trabalho descontraída; alguns já precisando pedir pra sair. Hamilton animadíssimo com sua nova oportunidade brincava imitando como se sairia com os japoneses. Arigatô.

Tito mostrava como deveria se curvar diante dos empresários e obviamente, fazia piadas de joelhos.
Aos poucos a conversa tomou um rumo mais sério sobre as questões econômicas e sociais.

A influência das moedas virtuais, os investimentos voláteis, as diferenças culturais, a história do povo japonês, as questões diplomáticas acirradas, e quando se esperava um desfecho dramático Carlita se meteu no meio dos homens com uma garrafa de vinho enchendo as taças e simplesmente dizendo.

– Aí todo mundo se lasca.

E, arrancou gargalhadas dos amigos que se voltaram para escolher a música que iria abrir a pista de dança.

Nisso, Carlita se senta ao lado de Ângela e pergunta como tinha sido o dia. Angela, distraída, comentou que tinha saído tarde do trabalho, e que apesar da chuva havia sido uma noite agradável porque pela primeira vez havia jantado sozinha, num pequeno restaurante mais ou menos um piano bar.

Carlita riu.

– Como jantar sozinha em uma noite chuvosa pode ser bom?

Aliás, para ela estar sozinha nunca era bom.

– Essa coisa de solidão não é pra mim. Por que não ligou? É muito chato jantar sozinha, fazer qualquer coisa sozinha…

Ângela, apenas sorriu. Sabia que não adiantaria contradizer Carlita que nesse momento foi puxada pelo Hamilton para dançar.

Música alta, eletrônica, onde todos exibiam seus movimentos descoordenados e equilibravam seus copos.

Ângela também foi envolvida na roda e disfarçadamente se refugiou ao lado de um vaso de planta ainda gingando o corpo ao se deparar com o espelho que cobria a parede.

Primeiramente olhou para a mulher espelhada que balançava os quadris e percebeu que não era de todo desengonçada. Nem sempre se podia assistir dançar. Ficou dançando com o espelho um tempo que não soube precisar – esqueceu Hamilton, João, Carlita, Tito, mas lembrou do ruivinho que tocava piano e da bailarina que gostaria de ter sido. Mas o rebolar bate estaca estava longe da leveza dos gestos e o pliée que deveria praticar.

Novamente foi agarrada pela cintura e levada ao centro da roda para participar da dança tribal. Numa escapada de olhar, consegue ver-se no espelho. Pede socorro em silêncio, fugindo do efeito rítmico que mais parecia um coração taquicardíaco, martelado.

Voltou ao sofá onde deixara sua bolsa e aos poucos disfarçando vai em direção à porta. Saída à francesa.

Ao caminhar pela rua, em busca de taxi, pensava:

– Como somos diferentes. Carlita não sabe viver sem plateia. Hamilton é inquieto, gosta de desafios e aventuras. João um nerd contraditório, se não fosse pelo mau hábito de gostar do luxo, seria um nômade. Já Tito, é pé no chão. Não faz nada sem medir as consequências e não se liga a ninguém. Eu – protagonista deste conto descobri neste encontro inesperado parte de quem sou.

E continuou a descer a rua, agora seca sem poças, mas ainda com sombras entre a calçada e as paredes, a analisar quem seriam os antagonistas nesse cenário.

– Enfim, gostar de estar só, é bom ou ruim?

– O inesperado pode definir quem nós somos?

– E, o encontro? O que é o encontro?

Faz sinal para o taxi, que para; entra e vai embora.

Abre a bolsa, pega o celular e desliga.

Mas continua a conversar consigo.

Acho que somos todos coadjuvantes. O mundo é o protagonista, o antagonismo – nossas omissões ou atos. O encontro – esse sim é o nosso narrador.

E ainda conjecturando abre a porta da casa tira os sapatos, joga a bolsa na cadeira, e vai para o banheiro preparar um banho morno para depois deitar-se.

Ao relaxar a cabeça no travesseiro pensou.

– E tudo isso por causa de um jantar sozinha.

Pode isso?

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