Aurélio e Juliana
Contra risco de paixonite em Natal, sai a caipirinha e entra o suco de caju
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emNão sou caixeiro-viajante nem motorista de caminhão. No entanto, por conta do trabalho, preciso me deslocar para algumas regiões várias vezes por ano. O que sou? Mero representante comercial de uma firma, cujos produtos você certamente conhece. Todavia, deixemos a curiosidade no canto e vamos ao que interessa.
Pois bem, durante essas andanças, sempre conheço todo o tipo de gente. Não raro, a coisa desanda para algo além das relações econômicas. O problema é que nem sempre a pessoa entende que aquele momento não irá acontecer de novo ou, então, se acontecer, não passará disso. Mas eis que a coisa se inverteu…
Seu nome é Juliana, proprietária de um comércio em Natal. Pouco mais velha do que eu, ainda não chegou aos 50 anos. Cá estou com meus quase 42, que completo na semana que vem. Os entendidos dirão que estou vivendo os últimos dias do meu inferno astral.
De imediato, a mulher pareceu sentir certa empatia por mim. Não que eu seja um tipo que atraia a atenção, mesmo porque há tempos me conformei com minha barriga deveras saliente. Se bem que, a cada final de ano, uma das minhas promessas é fazer um regime e reconquistar a silhueta dos meus 25. Promessas vazias, como tantas outras.
Juliana pareceu não se importar. Aliás, como soube depois, ela se sente atraída por homens com certo desprendimento. Sorte a minha, que me permiti me travestir de conquistador enquanto apresentava o catálogo de produtos da empresa para a possível parceira comercial.
Se joguei a isca, logo percebi que a presa fui eu. É que Juliana, após pedir duas xícaras de café para um funcionário, que logo nos serviu, solicitou que não fosse incomodada, pois queria ficar a sós comigo. Imediatamente, meus olhos brilharam. No entanto, o meu pressentimento estava equivocado, pelo menos naquele instante.
Passamos as próximas quase duas horas conversando sobre produtos. Percebi que Juliana sabe negociar e, ao contrário de muitos empresários, conhece muito bem sua clientela. Além do mais, possui pleno entendimento sobre preços de custo e de venda.
Acordos firmados, apertamos as mãos e, já de saída, Juliana me surpreendeu novamente.
— Aurélio, que tal jantar comigo hoje?
Devo ter feito cara de bobo, já que não esperava por aquele convite. No entanto, aceitei. Ela ficou de me buscar no hotel, e foi o que aconteceu próximo às 20h, quando já não sabia se o que eu estava sentindo era nervosismo ou fome.
Jantamos num restaurante em frente à praia. A moqueca estava ótima e conseguiu satisfazer meu estômago. Já a caipirinha me transportou de volta para o primeiro pensamento que tive quando, mais cedo, me deparei com aquela gata.
Passamos os próximos dias debaixo dos lençóis. Como não me apaixonar? Pois foi o que aconteceu, e, perto de pegar o caminho de volta, queria ficar. Todavia, Juliana fez questão de destruir todas as minhas esperanças.
— Aurélio, meu amor, não se iluda. Não costumo misturar negócios com sentimentos. Se um dia jantarmos juntos novamente, só beberemos refrigerante ou suco de caju.
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*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.