Aprendendo a perder
Eco de Lula ladrão se perde no tempo, mas o golpista Jair Bolsonaro fica para a eternidade
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emEm um país onde a tirania da vitória impera a olho nu, o segundo lugar realmente é mais sentido do que um carcinoma em estágio avançadíssimo. Foi assim com o candidato derrotado nas eleições gerais de 2022, é assim na disputa escancarada entre evangélicos e católicos e tem sido assim no futebol, paixão nacional que, também a olho nu, vem se transformando em esporte gerador de mortes. No caso político, os adversários assumidamente viraram inimigos mortais, daqueles que, mesmo sem motivo justo, tentam matar o vencedor.
Em nome do ódio, do fanatismo, da selvageria e do poder, eles são capazes de matar, mandar matar e de destruir os espaços ocupados por aqueles que lhe negaram o tapetão. Mais do que exacerbar o instinto animalesco que aprenderam nas aulas de intolerância, de opressão, de preconceito e despotismo, os “superiores” se acham estadistas, embora não consigam administrar sem violência nem mesmo o condomínio onde vivem. São seres que não percebem que competir não significa necessariamente ganhar ou perder. Às vezes, o objetivo escondido nas nuvens é somente ensiná-los a jogar.
No caso da política brasileira, está claro que, passados quase dois anos da derrota, o candidato perdedor ainda não se tocou de que, a exemplo da vida, os cargos não representam uma competição coletiva, mas sim individual. A disputa do perde e ganha não é um contra o outro. Ambos são adversários de si próprios. Em qualquer lugar do mundo, há vencedores respeitosos e perdedores raivosos e truculentos. Um pensa em cumprimentar, enquanto o outro foge para não ser cumprimentado.
Super vencedor, Luiz Inácio também já perdeu. Nem por isso desistiu. Perdedor que não aprendeu nada com a derrota, Jair Bolsonaro não desiste de tentar vencer o que não ganhou. É a cegueira, a vaidade e a inveja diminuindo um cidadão que, se soubesse esperar, poderia tentar provar ao país que o aprendizado com o revés eleitoral se mostrou muito mais forte do que os inimigos interiores. Não fossem as ideias golpistas, quem sabe seus eleitores de ontem mantivessem hoje a disposição de informá-lo que não é porque não foi dessa vez que nunca vai ser.
Teria sido mais simpático ele dizer não foi dessa vez, mas valeu. Estou feliz de ter chegado até aqui. Preferiu ameaçar publicamente e a invejar em segredo. O resultado é que, mesmo sem saber, o alvo deverá ganhar novamente. Está nas escrituras que o mal só atinge àquele que não resiste. Em resumo, a realidade não pode nunca competir com a memória. Desde a redemocratização, em 1985, tivemos candidatos e presidentes eleitos bons, alguns ruins e outros bem mais ou menos. No entanto, todos se contiveram. Pulando os bons e os marromenos, mesmo os ruins deixaram legados benéficos para o povo brasileiro.
Em que pese eu ser inimigo extremado dos extremistas à direita, sou capaz de reconhecer os feitos de seus representantes, independentemente da ideologia professada por suas lideranças. Lula pode ser ladrão, como o denominam os que odeiam quem o ama. Pode ser, mas é inegável seu valor e sua importância para o Brasil nessas duas últimas décadas. A defesa incontestável da democracia já o credencia a uma análise positiva. O mesmo não digo de Bolsonaro. Embora possa listar algumas de suas boas propostas, as ruins e as péssimas estão na primeira página. Daqui a 100 anos, pode ser que o eco Lula é ladrão se esvazie. Todavia, o mantra Bolsonaro golpista e tirano será eterno. Ele incomodará os defensores do patriotismo de mão única até o fim dos tempos.
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*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras