Vale o afeto
Com bolso apertado e endividado, alagoano terá Natal com pouco presente
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emFim de ano no Nordeste é tempo de preparações: a ceia, os reencontros, as missas de Natal e, claro, os presentes. Mas este ano, a cena é um pouco diferente. O bolso apertado e as contas acumuladas tornaram a tradição de presentear um verdadeiro ato de equilibrismo.
José, feirante de Maceió, é um exemplo vivo dessa realidade. “A gente quer agradar todo mundo, mas tem hora que o dinheiro não dá. Este ano é presente só pras crianças mesmo”, diz ele, com um sorriso meio sem graça enquanto organiza suas mangas no mercado. Na mesma feira, Dona Rita, que vende bordados, concorda: “Natal é pra celebrar, não pra se endividar mais. Fiz umas lembrancinhas de pano mesmo, coisa simples, mas de coração.”
O espírito natalino por aqui sempre teve muito mais a ver com o afeto do que com o valor dos presentes. Ainda assim, é impossível ignorar o peso do consumo nessa época do ano. Shoppings cheios, promoções por todo lado, e as crianças pedindo aquele brinquedo da moda, anunciado no intervalo da novela.
Maria Clara, de 9 anos, tem pedido um “tablet” desde outubro. “Mas eu já expliquei a ela que não vai dar este ano. Quem sabe no próximo”, lamenta Ana, mãe solteira que divide o tempo entre um emprego no salão de beleza e os bicos que consegue. “Comprei um livrinho e vou fazer um bolo bonito pra gente comemorar. Natal é estar junto, não é?”
Mesmo entre dificuldades, a criatividade e a resiliência do povo nordestino são marcantes. Na casa de Seu Antônio, que mora na região metropolitana da capital alagoana, o “amigo secreto” virou “amigo da palavra”: cada participante escolhe um livro ou uma frase inspiradora pra dar ao outro. “Assim a gente troca carinho e cultura, sem pesar no bolso”, explica ele, animado com a ideia que herdou de uma amiga da igreja.
Na noite de Natal, o que importa é a mesa cheia de comidas simples, mas feitas com amor, e o riso solto de quem se encontra. A farofa, o peru improvisado com frango da feira, e o bolo de rolo substituem qualquer banquete. O presente mais valioso, afinal – pude observar no semblante de muita gente -, é o afeto compartilhado e a esperança de dias melhores.
E assim segue o povo nordestino, que, mesmo com o bolso apertado, encontra maneiras de transformar dificuldades em motivo de celebração. Porque o Natal, por aqui, é muito mais sobre o coração do que sobre o cartão de crédito. Principalmente em tempos de arrocho.