A oportunidade II
Tudo que vai, volta (e quando chega com Diana, é muito mais prazeroso)
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emContei para vocês há alguns dias a história de Artur, fotógrafo que jamais substituíra a máquina de fotografar pelo celular. Para quem perdeu o primeiro episódio, o link para a página de Notibras onde ela foi publicada encontra-se ao fim deste relato.
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Artur não conseguia esquecer a lambada que levou de Washington Júnior, “muy amigo”, naquele evento em que ele pensara haver sido convidado para fotografar e, na realidade, acabou servindo bebidas para os convidados da festa. E não foi apenas essa a humilhação que Washington Júnior provocou em Artur. Houve tantas outras, de que eu já falei na primeira parte do conto… Teve o episódio do crédito omitido pelas fotos na revista sobre ecologia, sim, mas houve também as vezes em que Washington desfez de Artur em reuniões de amigos, a ocasião na qual falou que, tendo ido a São Paulo fazer o curso de barman, voltaria duplamente fracassado, como fotógrafo e como cachaceiro, além de várias outras barbaridades.
Washington era, realmente, intragável.
Não consigo explicar a você, que está lendo, as razões psicológicas pelas quais, no entanto, Artur continuava ligado, de certa forma, a Washington. Artur sempre o perdoava, sempre dava uma nova chance.
Alguns diriam: é falta de autoestima. Artur pensou muito a respeito. Será? Concluiu que não. Embora, no fundo, sentisse um pontinho de inveja de Washington Júnior, lembrando que todas as melhores coisas aconteciam a este. Sempre…
Tinha de haver alguém que lhe abrisse os olhos, no entanto. Já era hora de um rapaz tão bom, que era Artur, se libertar dessa bobagem. Romper de vez relações com esse biltre que, além de não ser autêntico com ninguém, era limitado e bem pouco inteligente. Apenas havia nascido rico, enquanto Artur experimentara as durezas da vida. Só isso.
Washington Júnior era desses caras que não tem amigos verdadeiros. As pessoas que o rodeavam estavam mais para público de suas blagues, outras vezes não passava de uma reunião de áulicos querendo obter alguma vantagem. Isso eventualmente acontecia, pois Washington, filho de industrial, prodigalizava à sua anturragem convites, festanças, churrascos, noites em boates… Tudo na base do 0800.
Mas é preciso a contar sobre o que aconteceu no evento de lançamento do catálogo de artes plásticas concebidas por Washington Júnior – que de originalidade nada tinham, por sinal, pois o artista se apropriava do estilo de Romero Britto.
Enquanto Artur fazia ótimos drinques que encantaram os convidados até de madrugada, inclusive o delicioso “Washington Blur”, concebido especialmente para o evento, Washington Júnior ia andando pelos grupos formados na festa, elogiando a si mesmo, dizendo como era brilhante e único, enquanto a todos apresentava Diana.
Aqui preciso fazer um recorte para dizer que Diana era sua nova namorada. Paulista, com formação no exterior, era professora de história da arte e, tendo conhecido Washington Júnior em ocasião social, viu nele algo de pitoresco, engraçado, até que pintou a paixonite. Começaram uma relação mais por insistência de Washington que propriamente pela vontade da moça, mas como ela estava sozinha mesmo, resolveu dar chance ao rapaz e deixar fluir esse interesse. Só que Washington estava perdidamente apaixonado pela moça, ao passo em que ela, dia a dia, via nele alguns imperdoáveis defeitos, desde a maneira pouco cortês com que tratava as pessoas mais humildes, especialmente os que lhes serviam, até a forma maçante com que ele repetia certos comportamentos machistas. E, observadora que era, aquilo começou a agastar a bela dama, que foi cansando de seu histriônico namorado.
Na festa, elegantemente vestida, braço dado com Washington Júnior, Diana era deslumbrante. Uma visão do céu. A aurora particular. A síntese das harmonias universais – foi exatamente isso que se passou pela mente de Artur quando viu a paulista pela primeira vez. Comentou com um rapaz que lhe ajudava na função como era bela a namorada de Washington. O ajudante olhou bem em direção à moça e disse, desdenhoso:
– Bonita? Hummm… Não sei. Produzida sim, bonita não tenho certeza. Ela é bem comum, não achou? Se você visse ela passar de jeans, camiseta e tênis baixo na rua, nem repararia.
Mas o ajudante estava totalmente enganado. Quer fosse ali, com vestido de festa, maquiada e com um coque no alto da cabeça revelando a nuca perfeita, os braços longos e firmes, o nariz que, por si só, valia um livro de poemas, quer fosse surpreendida por uma chuva torrencial sem guarda-chuva, depois de passar numa poça d’água, Diana representaria para Artur a mesma beleza, o mesmo espanto. Sentiu-se tonto ao vê-la, algo estranho, intenso, jamais por ele experimentado.
Mas havia um grande obstáculo. Era a namorada de Washington Júnior. Logo de Washington Júnior… Querê-la representava uma faceta daquele problema inconsciente?
– Não, não é possível, pensou Artur, sem nada falar – a vida está me pregando uma peça. A mulher mais linda do mundo me aparece justamente com ele?…
Menor foi o espanto de Artur quando, ainda naquela noite, o anfitrião apresentou-o à namorada de forma cordial, dizendo que estava ali um seu amigo de infância, melhor fotógrafo da cidade que, como hobby, fazia drinques, e viera prestigiar o evento.
E aconteceu de Diana ficar tão interessada por aquela história de fotógrafo que fazia drinques, conhecedor de Washington Júnior desde a infância, que aproveitou todas as oportunidades da noite para conversar com Artur, chegando a sair com ele do ambiente da festa para fumarem. Isso se deu pela 1h da manhã, após o que Washington Júnior fez uma pequena cena de ciúmes e, por ser pequena, também ridícula, Diana sequer levou a sério.
– Vem, Diana, dar atenção às pessoas importantes que estão aí. Deixa o barman trabalhar.
Com esta frase reveladora de sua personalidade, Washington rematou seu patético chilique. Aquilo foi, certamente, a gota d’água para entornar o balde na paciência de Diana. Que sujeito grosso…
Já Artur, não. Além de gentil, divertido e educado, parecia ter muito mais em comum com Diana. E a moça foi pra casa com borboletinhas na barriga, pensando no amigo do namorado. Levemente desconfortável com isso, mas ele era tão interessante, tão bonito…
O encontro da noite foi tão marcante que, no dia seguinte, Diana, que gostava de ouvir canções francesas num velho toca-discos que herdara de uma tia, deixava girar um LP de Sylvie Vartan, e pensava na delicadeza da fala de Artur, e em como ele era autenticamente um cara bacana.
Artur, por sua vez, não tirava mais Diana da cabeça, e chegou a pensar em recitar para ela os belos versos que leu num soneto de Tania Miranda, cujo primeiro quarteto diz: “Quando dois olhares se cruzam/E se encontram dois corações/As estrelas no céu até mudam/Curiosas por todas implicações…”
Ah, como é lindo ver o amor do acaso nascido, de circunstâncias totalmente fora de nosso controle. Você que está lendo, por favor, nada de julgamentos sobre Artur e Diana, certo? Deixa os jovens se apaixonarem em paz! Foi um processo absolutamente imprevisto e natural. E Washington Júnior, convenhamos, é um antipático. Diana, a bela, merecia coisa bem melhor.
E como ficaria o coração de Washington? Bom, essa é uma preocupação justa. Afinal, ele sofrerá. Mas, afinal, quanto tempo dura um sofrimento de amor? Dizem que tudo que vai, volta. Quanto sofrimento Washington causou…
A verdade é que está em tempo de terminar este conto. E vou contar o que se sucedeu.
Dia a dia, Artur e Diana se aproximaram mais. O fotógrafo, que jamais soubera disso, converteu-se em poeta e, numa tarde, mandou para a moça, no local onde ela trabalhava, uns versos cometidos de madrugada, junto com um buquê de rosas. Ela achou uma graça e ficou encantada.
O namoro de Washington e Diana não durou muito depois daquela festa, era de se esperar. Coisa de dias.
Washington ficou bastante chateado, não há dúvida. Nem tanto pelo término do relacionamento, mas porque não se conformava em perder. Perder era palavra que não estava em seu vocabulário.
Deve ter ficado muito irritado ao saber, tempos depois, que Artur e Diana estavam namorando, vivendo o romance mais lindo de suas vidinhas. Todos viram que foram feitos um para o outro.
E no primeiro final de semana em que viajaram juntos, Artur preparou para ela alguns drinques. Entre eles um “Washington Blur”, com prosecco, muitas bolhas, que em nada lembrava bebida mixuruca, e estava uma delícia.
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(A primeira parte deste conto foi publicada aqui:
https://www.notibras.com/site/fotografo-e-barman-ve-imagens-apagadas-de-um-sonho-escorrido-em-tacas/)
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Daniel Marchi é autor de A Verdade nos Seres, livro de poemas que pode ser adquirido diretamente através do e-mail danielmarchiadv@gmail.com