Buraco sem fundo
Inflação se agiganta e o prato de comida na mesa do trabalhador míngua
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emA cada manhã, os números saltam das telas como fantasmas de um futuro mal-assombrado. O dólar, em sua disparada olímpica, cruza a faixa dos R$ 6,20, como quem foge do senso comum e desafia o bom senso. O real, por sua vez, ajoelha-se, frágil, perante a lógica cruel do mercado. Nas esquinas, o cafezinho — outro companheiro acessível — agora é medido em grama.
A inflação, essa entidade que não precisa de convite para entrar nas casas, dança sobre a meta do governo com a leveza de quem sabe que manda no baile. A cada mês, ela se agiganta, e o prato na mesa do trabalhador mingua. O feijão, o arroz e o óleo, ingredientes básicos de uma receita de resiliência, agora são itens de luxo no cardápio da sobrevivência.
E a taxa de juros? Ah, ela sobe altiva, como uma escada rolante ao contrário, onde cada degrau é um fardo adicional para quem tenta empreender ou, ao menos, manter a cabeça fora d’água. Bancos e credores, esses nadam de braçada, enquanto o resto da sociedade, assombrada, se vê acuada.
Do lado de cá, o povo, sempre criativo, dribla a crise como pode. Reaproveita sobras, faz malabarismos com boletos e tenta encontrar alegria no que não depende de moeda forte ou cesta básica. O brasileiro, enforcado até a garganta, parece saber, no fundo de seu alma, que dias piores virão.
Mas até o eco no fundo tem seu limite. E quando se ultrapassa esse ponto, só resta a fé — ou o improviso.
O céu, que um dia pareceu o limite, hoje parece distante. Resta esperar uma luz, um fôlego, ou quem sabe um novo milagre econômico. Porque a cada dia que passa, o brasileiro entende melhor uma triste verdade: quando a maré sobe, só flutuam os que têm barcos. E muitos de nós seguimos à deriva, segurando no que dá para não afundar.
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Dora Andrade é Editora de Business de Notibras