Democracia e moralidade
Na política pão e circo, congressistas ficam no verde e povo no vermelho
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emVisto de cima, por baixo ou pelos lados, o Congresso Nacional, particularmente a Câmara dos Deputados, é um circo em atividade mesmo quando está fechado. Normalmente com textos negociados na coxia, os espetáculos mostram claramente que, pior do que políticos em época de eleição, só eles mesmos durante os anos de mandato. No cenário montado para a farsa diária, dependendo da “ideologia”, eles fingem que se odeiam. No entanto, se cumprimentam, se abraçam e votam juntos quando os objetivos são manipular as massas e faturar mais algum.
É aquela velha história do teatro do fingimento recíproco: os parlamentares fingem que trabalham pelo eleitor, o governo finge que ajuda e o povo finge que acredita. Apesar dos discursos de integridade e de correção durante as campanhas, é no palco iluminado da maracutaia que eles invertem a ordem da política. Em lugar de servir, a maioria esmagadora só pensa em se servir. É a lei do menor esforço. Vem daí a máxima de alguns pensadores, para os quais na política brasileira é cada um por si, propina para todos e nada vezes nada para a sociedade, especialmente os mais pobres.
Mestrando no modus operandi e doutorando no modus vivendi dos chamados homens públicos, me engajo na tese de que o maior castigo para aqueles que não se interessam por política é ser governado pelos que se interessam. Sei que não vou mudar nada, mas, pelo menos, adiro ao clamor daqueles que ainda se decepcionam com os congressistas. Não são muitos, na medida em que a maioria ou se esconde, prefere não se manifestar ou também se beneficia. O resultado da omissão é que, com um mínimo de empenho, as excelências nadam de braçada na manipulação e no desvio de dinheiro público para uso particular.
Embora façamos vista grossa, a democracia passa obrigatoriamente passa pela moralidade. Por exemplo, para aprovar o pacote de corte de gastos, cuja eficácia é uma incógnita, o governo teve de oferecer aos deputados que votaram a favor das medidas um extra de R$ 5 milhões. É a chamada “emenda panetone”. É uma vergonha, mas, infelizmente, são os parlamentares que temos. Além disso, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), recebeu sinal verde para aumentar em 6% a verba de gabinete das excelências.
O dinheiro é destinado à contratação, sem concurso, de até 25 assessores parlamentares. Os servidores da Casa também tiveram reajuste salarial. Na ponta mais frágil, os assalariados continuam à míngua. E daí? Eles são apenas um detalhe. A rapinagem é tão acintosa que até assessores, vereadores e familiares dos cidadãos sob todas as suspeitas abastecem seus veículos com recursos da verba indenizatória. Mais uma vez e daí se temos uma enorme parcela de culpa na farra parlamentar com dinheiro nosso que eles acham é deles.
É o povo referendando os dois lados da política: o que está comendo e o que quer comer. Faço minhas as palavras de um pensador contemporâneo, para o qual não pode haver mudança política em uma sociedade quando a voz da necessidade é silenciada pelo dinheiro. É a mistura aterrorizante da ganância dos políticos com a ingenuidade e a conivência dos eleitores. Os que pensam no futuro do país acabam reféns da política pão e circo. Poucos entendem, mas a maioria não quer entender que os homens públicos são empregados do povo. Eles não são nossos ídolos. Portanto, não há dúvida de que, enquanto o brasileiro tratar o político como celebridade, continuará a ser tratado feito gado. Em resumo, é tudo no nosso e nada no deles.