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Pigmaleoa

Juan volta de surpresa, age como robô e precisa reaprender a fazer amor

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Produção Francisco Filipino

Ele estava fumando na varandinha do apartamento quando Teresa entrou em sua própria casa.

Ela já ia reclamar, como costumava fazer, do cheiro do cigarro, quando ganhou consciência de que ele não podia estar ali. Juan encontrava-se em Paris, a quase 10 mil quilômetros de distância! Os dois haviam trocado mensagens eróticas de madrugada, não havia como ele ter chegado tão rápido a São Paulo.

“Será um fantasma? Ele morreu e se materializou aqui?” Notou que ele apagou o cigarro no momento em que a viu. “Fantasmas não fumam e muito menos têm a delicadeza de apagar o cigarro pra fumaça não incomodar”, pensou. “E ele nunca fez isso, fumava até o finalzinho.”

Teresa aproximou-se devagar e acariciou de leve o seu rosto. Ele sorriu, sem falar. Percebendo a textura da pele e o calor do corpo, sentiu-se mais confiante e perguntou:

-Tudo bem, amor?

Ele fez que sim com a cabeça, em silêncio.

Aos poucos, ele dominou a gramática dessa nova fase do relacionamento com Juan. Ele entendia tudo e quase sempre se comunicava sem palavras. “O amante perfeito”, pensou com um sorriso irônico. Mentira, um amante quase perfeito: ela levou-o para a cama, num misto de desejo e curiosidade; recebeu algumas carícias ousadas, mas os beijos não eram ardentes como de costume e não houve penetração. Desistindo, ela ficou em uma deliciosa conchinha e percebeu que eram seu amor e desejo que animavam a aparição. “Não é fácil pôr em ação coordenada todos os músculos, nervos e hormônios envolvidos em uma boa transa”, pensou, um pouco decepcionada.

À tarde, Teresa saiu para caminhar. Juan acompanhou-a. Ligada no fenômeno, ela percebeu diversas mulheres com um acompanhante silencioso ao lado. Aos poucos, tornou-se mais fácil diferenciar os “reais” (?) – por vezes impacientes e de gestos mais bruscos – dos “ideais” (?), mais gentis, sempre com um sorriso e, claro, sem falar uma palavra.

Reunindo coragem, Teresa aproximou-se de uma jovem acompanhada e disse>

– Consigo ver o seu parceiro, você vê o meu?

– Vejo sim. E devemos tê-los avistado antes milhares de vezes, sem prestar atenção, sem perceber o que realmente eram.

As duas sentaram-se em um banco, ladeadas pelos companheiros gentis e mudos. Conversaram sobre o assunto, e concluíram que se tratava de um fenômeno natural, talvez destinado a diminuir a solidão feminina.

– Não apenas feminina – interveio a interlocutora de Teresa. – Já vi alguns homens com parceiras sorridentes e silenciosas, um para cada 10 mulheres na nossa condição. É que as mulheres amam mais profundamente, muitas se entregam de corpo e alma às paixões; a materialização dos parceiros distantes talvez possa ser vista como uma recompensa por esse amar sem reservas.

Teresa concordou e acrescentou, enrubescendo um pouco:

– A única falha do meu é na cama…

A outra assentiu, também meio sem graça:

– É, mas eles podem aprender. Estou treinando o meu, está quase no ponto – concluiu com um risinho.

Depois disso, Teresa despediu-se e voltou para casa, ansiosa por iniciar o treinamento do Juan materializado. Recordou o mito grego de Pigmalião e Galacteia, no qual uma linda estátua feminina, esculpida por Pigmalião, torna-se uma mulher de carne e osso, companheira do artista. “Vou ser a Pigmaleoa do meu Galacteu!”, pensou, divertida.

Então, leitores e especialmente leitoras, quando virem na rua uma mulher acompanhada por um homem silencioso e mais gentil do que a grande maioria, deixem espaço para a hipótese de que talvez ele seja uma aparição, alguém materializado. E mais, se perceberem um certo cansaço nos olhos dele, imaginem que talvez seja – para usar os termos de Teresa – um Galacteu submetido a intensivo treinamento erótico, conduzido com mão de ferro por sua determinada Pigmaleoa.

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