Vida que segue
Jonas, psicopata que matava, desejava apenas ferir as pessoas
Publicado
emJonas não era o mau da fita, não era mau como um pica-pau, e muito menos a personificação do Mal. Era simplesmente mau – o que, pensando bem, não era pouco.
Começara na infância, quando dava discretos beliscões na irmãzinha para fazê-la chorar. Depois fazia uma cara de inocente que exasperava os pais, cansados de saber que ele havia aprontado. Ela chorava com os beliscões, ele, com as surras – então percebeu a necessidade de álibis para suas ações. Não conhecia a palavra e muito menos o significado, tinha menos de 6 anos, mas pensou algo como “preciso fazer e dar um jeito de não descobrirem que fui eu”. O aspecto essencial, nesse pensamento de criança, é que ele tinha consciência de que precisava fazer.
Um dia, capturou no mato junto à casa um escorpião e, transportando-o com extremo cuidado, o deixou no quarto da irmã. Não entre as cobertas; junto à cama, no chão. Em seguida, foi bater uma bolinha com a turma.
“Se ele picar a imbecilzinha, ótimo”, pensou. “Se não, vida que segue”.
(Ele não pensou nisso, pensou em “bola pra frente”, mas o significado era esse.)
O escorpião não picou, a mãe viu o inseto, deu um berro, o pai acudiu e conseguiu matá-lo. Desse dia em diante, porém, Jonas descobriu o seu padrão de maldade. Não era um futuro serial killer, um menino que gosta de matar bichinhos e, já adulto, se deleita em assistir às atrocidades que comete; seu prazer era o ato em si, o fazer a coisa, como um artesão que se compraz com a sua criação e, depois, não dá a mínima para o destino desta, se é vendida por uma ninharia ou uma fortuna, se vai para uma coleção particular ou se é exibida para o público em algum museu.
Jonas cresceu arquitetando maldades, que poderiam ou não causar vítimas.
Um exemplo foi o concurso de pedradas em garrafas. Ele mencionou que tinha lido a respeito, e deixou para outro moleque sugerir a realização da coisa, no campinho onde jogavam bola. Tomou cuidado de não acertar garrafa alguma, enquanto os outros caprichavam na pontaria. Os cacos ficaram no chão, esquecidos. Dias depois, como esperado, um menino se cortou gravemente. Ele não havia sugerido a brincadeira nem quebrado garrafas – mas arquitetara tudo. Seu prazer decorria de manipular os outros como marionetes e visualizar o que tinha chances de ocorrer. Um de seus maiores talentos era calcular probabilidades, e usou profissionalmente essa habilidade: tornou-se um dos mais promissores funcionários de uma empresa de seguros.
Claro que, às vezes, era preciso se expor. Aos 22 anos, quando teve seu primeiro caso com uma mulher casada, Jonas lhe escreveu uma tórrida carta de amor. O álibi, no caso, era que ela lhe dissera que ia se separar. Isso era mencionado no início do texto, que começava com as palavras “Meu amor, espero que, como você prometeu, já esteja separada daquele imbecil”. Satisfeito, disse a si mesmo:
– Se o corno abrir a carta e a ler, ótimo; se a infiel conseguir interceptá-la, vida que segue.
Nunca mais viu a mulher, nem teve notícias dela. Aos 25 anos, Jonas leva uma vida solitária. Tem parceiras de cama porém nenhum relacionamento, seria demasiado arriscado trazer alguém para sua intimidade. Sua rotina nos fins de semana consiste em percorrer as ruas de bairros distantes de onde mora, tendo no bolso bombons envenenados.
Deixa-os no chão, perto de onde crianças estão brincando. E vai embora.
“Se alguém comer o bombom e for para um hospital ou morrer, ótimo. Se não, vida que segue”, sempre diz a si mesmo. E se dirige para outro bairro afastado.
Certa vez, leu a notícia de que um menino envenenado por um bombom havia morrido. Foi gratificante, mas não o encheu de prazer, seu objetivo era fazer coisas ruins, não causar mortes. A satisfação vinha do envenenar as guloseimas, das longas horas dedicadas a injetar arsênico em cada bombom, e depois, a embrulhá-los minuciosamente, para que parecessem intocados. E depois, deixá-los junto à criançada e ir embora, sem olhar para trás.
Quando um noticiário denunciou a presença, na cidade, do “assassino dos bombons”, Jonas sorriu, satisfeito, mas logo franziu a testa. “Não sou um assassino em série, nem mesmo um matador ocasional”, pensou. “Sou como um caçador que espalha armadilhas por aí. Se alguma presa cair nelas, ótimo. Se não, vida que segue”.