Livre para pensar
Lutar contra democracia é defender um Estado em que todos temem alguém
Publicado
emRachado e com cicatrizes doloridas e dolorosas desde o fim de 2022, a metade e mais dez milhões de brasileiros ainda sofrem com algumas feridas não fechadas. Uma delas – talvez a pior – é a certeza de que a metade e menos dez milhões de brasileiros não entendem que, seja de direita ou de esquerda e aonde for, a ditadura é o pior dos cenários para qualquer povo que sonha com a liberdade. Um rápido recuo em nosso tempo ou uma visita sem compromisso à história de países da América Latina, da África e da Ásia já seriam suficientes para que houvesse esse entendimento.
Não há por uma razão muito simples: para os amantes do autoritarismo, não basta solapar, dominar ou constranger. A ordem superior é aniquilar, matar, extirpar da sociedade deles e sumir com todos aqueles que preferem ser livres para sonhar. Na verdade, além da falta de comprometimento, eles não têm coragem para enfrentar os emancipados, os independentes e os autossuficientes. Na Rússia, na Venezuela, no Brasil, em Israel, na Turquia, Hungria ou na Bahia, quem defende autocracias, opressores ou absolutistas desconhece que a liberdade não tem preço.
A liberdade tem valor. Por isso, lutar para que ela não se acabe espontaneamente ou por meio de golpes é a prova de que não fomos feitos para o fracasso. Parafraseando Mahatma Gandhi, o único ditador que a gente deve aceitar é a voz silenciosa de nossas consciências. Como diz o pensador Mário Sérgio Cortella, numa ditadura não há como se promover uma passeata pela democracia. Na democracia, qualquer grupo pode convocar uma passeata para defender a ditadura. Eis a diferença entre o obscuro e o homem livre para pensar.
Aproveitando o tema, vale lembrar que o golpe fracassado de 2022 foi de encontro à tese de abertura política do general Ernesto Geisel. Ao assinar o documento nesse sentido, o então presidente da República afirmou que chegaria o dia em que o povo sentiria saudade do regime militar. O argumento é que “muitos dos que lutavam pelo fim do regime não estariam visando o bem do povo, mas sim seus próprios interesses”. Um dos mais lúcidos generais do período ditatorial, Ernesto Geisel só errou ao deixar de incluir entre os muitos os próprios.
A tentativa de golpe jamais objetivou atender aos anseios da maioria do povo brasileiro. Simplória e definitiva, a ideia era exclusivamente apear do poder quem o povo havia escolhido para comandá-lo. Em qualquer lugar do mundo, tirar alguém do poder à força tem somente um significado: assumir ditatorialmente o comando da nação como se ela fosse a extensão da casa daquele que liderar o levante. No Brasil de nossos dias não seria diferente. Nos transformariam em um estado em que todos temem alguém.
Concordo, em parte, com os antagônicos que acham que não vivemos o melhor dos mundos. Quem seria melhor daquele que aí está? Discordo antecipadamente se me responderam o que saiu. Lembro que ele teve tempo, apoio e dinheiro. Se não fez é porque não sabia fazer. Portanto, aguardemos 2026 e escolhamos diferente. Por falar em antagonismo, vale registrar que a essência da democracia é a convivência harmoniosa das diferenças. Infelizmente, por razões puramente ideológicas, estamos longe disso. Uma pena, pois, na minha singela opinião, a democracia realmente é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais.
……………..
Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras