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Parte I

Usando a alquimia para estudar e entender a formação do cristianismo

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Autor/Imagem:
Marco Mammoli - Texto e imagem

A estrutura da criação de uma fé religiosa pode variar amplamente entre tradições, mas geralmente possui os mesmo pilares como dogmas e doutrina, textos e ritos sagrados, entre outros. Inclusive passa pelo processo de implantação do mito da originalidade e exclusividade do recebimento das inspirações divinas sobre a “sua verdade” que será transmitida ao mundo. Essa ideia de recebimento e inspirações divinas fazem parte do escopo da validação da “pureza identitária” dos ritos e do mitos. A não admissão de influências de tradições mais anciãs é uma característica marcante. O alquimista sabe que as buscas pelas origens de um conhecimento, no caso uma religião, pode ser feita através dos processos alquímicos: Nigredo, Albedo, Citrinitas e Rubedo. Cada um com suas subfases. Experimente fazer pesquisas seguindo essa formulação, os resultados são surpreendentes. Vamos lá!

Colocaremos o cristianismo na fase de Nigredo, que é a fase inicial, marcada pela dissolução e decomposição, seguidos da calcinação e dissolução para alcançarmos a “morte” da matéria ou do ego trazendo o caos necessário antes da renovação. Só então teremos uma “matéria” real e conheceremos todas as “influências” que o formaram. O cristianismo, desde suas origens, foi influenciado por diversas filosofias e correntes de pensamento, especialmente aquelas que estavam presentes no mundo mediterrâneo durante o período de sua formação. Elas moldaram as doutrinas teológicas, éticas e cosmológicas cristãs através de um sincretismo entre o pensamento e as culturas egípcias, hebraica, a filosofia grega e o contexto cultural romano.

Ao longo dos séculos, essas influências ajudaram a transformar o Cristianismo em uma religião que não só articulava “verdades” espirituais, mas também oferecia um sistema filosófico abrangente e estruturado. Bem como estrutura organizacional voltada à evangelização, doutrinação, disseminação e controle social através da “fé cristã”, funcionando como um Estado dentro de Estados, desde o século V d.C., antes do Tratado de Latrão que oficializou a criação do Estado do Vaticano em 1929. A cultura do Egito antigo influenciou o cristianismo em diversos aspectos, desde simbolismo e rituais até teologia e organização social. Essa interação foi particularmente forte no Egito, onde o cristianismo Copta preserva muitas dessas influências até hoje.

Apesar de o cristianismo ter raízes judaicas e helenísticas, a rica herança egípcia ajudou a moldar sua expressão cultural e espiritual. Essa influência, direta e indireta, ocorreu durante os primeiros séculos de sua formação. Se deu tanto pela interação cultural no Mediterrâneo quanto pela presença do cristianismo no Egito nos primórdios de sua expansão. Essa influência cultural egípcia se deu pela presença judaica no Egito antes mesmo do cristianismo, pois o Egito era um importante centro para as comunidades judaicas. Podemos observar essa influência na Tradução da Septuaginta, que é a tradução das Escrituras Hebraicas para o grego em Alexandria, crucial para a disseminação do Antigo Testamento no mundo helenístico. Além disso, filósofos como Fílon de Alexandria combinaram conceitos judaicos com a filosofia grega, preparando o terreno para o uso de categorias filosóficas na teologia cristã.

A mitologia e os simbolismos religiosos do Egito antigo ecoam no cristianismo, seja por paralelos culturais ou por influências diretas. Por exemplo temos o mito de Osíris (deus que morre e renasce) e Hórus (seu filho, fruto da união divina com Ísis) que apresenta semelhanças simbólicas com a narrativa cristã, como a morte e ressurreição, a ideia de um deus que morre e é restaurado à vida pode ter influenciado o conceito cristão da ressurreição de Cristo. Bem como a Deusa-Mãe e o Filho Divino representados por Ísis com o menino Hórus no colo é similar à iconografia cristã de Maria e o Menino Jesus. O uso de rituais, como procissões e símbolos como o “Ankh” (cruz egípcia), tem paralelos com práticas e ícones cristãos posteriores.

O mais interessante é que o Egito foi o berço do monasticismo cristão no século III. Temos nesse período Antão, o Grande, que foi o fundador do monasticismo eremítico, inspirado em práticas ascéticas que podem ter raízes em tradições egípcias antigas, inclusive os essênios, de retiro no deserto. As primeiras comunidades monásticas se deram com a organização dos mosteiros no Egito, como os que foram fundados por Pacômio, influenciando profundamente a vida religiosa cristã. As crenças egípcias na vida após a morte, julgamento e ressurreição influenciaram a teologia cristã sobre o conceito de um julgamento após a morte (como no “Pesamento do Coração” de Osíris), sendo similares à visão cristã do juízo final.

Além das práticas de sepultamento com ornamentos e símbolos, como na arte copta, reflete tradições egípcias. A escola Catequética de Alexandria, um dos principais centros de estudos cristãos nos primeiros séculos, combinava influências filosóficas gregas e egípcias para interpretar a fé cristã. Pensadores como Orígenes e Clemente de Alexandria foram fundamentais nesse processo. A ideia do “Logos” (Palavra ou Razão Divina) presente na teologia cristã pode ter ressonâncias com o pensamento egípcio, que também via o poder criador como associado à palavra. O cristianismo se estabeleceu no Egito logo nos primeiros séculos, com São Marcos sendo creditado como o fundador da Igreja Copta. O cristianismo Copta manteve traços culturais egípcios como a língua copta, última forma escrita do egípcio antigo, usado como língua litúrgica, além das festas e costumes como o simbolismo ligado às estações e à fertilidade.

Durante o período de transição do paganismo para o cristianismo, houve sincretismo entre as tradições religiosas egípcias e cristãs onde muitos templos egípcios foram adaptados para igrejas e algumas divindades egípcias foram reinterpretadas como santos ou figuras simbólicas no Cristianismo. Os essênios foram uma seita ou grupo religioso judaico que existiu aproximadamente entre o século II a.C. e o século I d.C., contemporâneos de Jesus e do surgimento do Cristianismo. Embora não sejam mencionados diretamente na Bíblia, sua existência e práticas são conhecidas por meio de historiadores antigos, como Flávio Josefo, Fílon de Alexandria e Plínio, o Velho, além dos Manuscritos do Mar Morto, descobertos em Qumran no século XX. Eram dedicados à pureza espiritual, vida comunitária e à espera de um juízo divino e de Messias que restaurariam Israel. Embora isolados da sociedade, sua visão apocalíptica e seus valores ascéticos refletem aspectos encontrados no Cristianismo e em outras tradições religiosas do período. Suas ideias sobreviveram parcialmente nos Manuscritos do Mar Morto, tornando-os um elo importante para entender o judaísmo do Segundo Templo e o ambiente cultural em que o Cristianismo surgiu.

O cristianismo nasce dentro do contexto do judaísmo, portanto herdou grande parte de sua visão de mundo, tais como o monoteísmo ético, que é a crença em um único Deus e a ênfase em uma vida moral baseada em leis divinas; a Escatologia, ou seja, a expectativa de um Messias, a ressurreição dos mortos e o juízo final; além das Escrituras como o Antigo Testamento, especialmente a Torá, os Profetas e os Salmos, que forneceram a base teológica e literária do Cristianismo. A filosofia grega, predominante no mundo helenístico, exerceu grande influência sobre a teologia e a doutrina cristã, especialmente por meio do uso do raciocínio filosófico para explicar a fé através de Platão, Aristóteles, o Estoicismo e o Neoplatonismo. Platão ao discorrer sobre a ideia de um mundo espiritual superior e eterno influenciou a compreensão cristã da vida após a morte e da natureza divina. Além do conceito de dualismo (corpo e alma) ajudou a moldar a visão cristã de que o corpo físico é temporário, enquanto a alma é eterna.

Posteriormente, na Idade Média, os escritos de Aristóteles influenciaram o pensamento cristão, especialmente por meio de Tomás de Aquino, que combinou sua filosofia com a teologia cristã. O foco na lógica e na ética ajudou na sistematização da teologia. A ética estoica, baseada na racionalidade, na autodisciplina e na aceitação do destino, influenciou a moral cristã e o chamado à vida virtuosa. O Neoplatonismo, desenvolvido no final do período greco-romano, influenciou profundamente pensadores cristãos como Agostinho de Hipona. A ideia de que toda realidade emana de um único princípio (o Uno) ajudou na formulação de conceitos cristãos sobre Deus e a Criação. A filosofia Romana através do Direito Romano, mesmo que não seja uma filosofia formal, influenciou as estruturas organizacionais da Igreja e suas ideias sobre autoridade e governança.

O Humanismo Romano, com as ideias de Cícero sobre virtudes como a justiça, a bondade e o dever moral também influenciaram o pensamento ético cristão. Do oriente temos o Zoroastrismo, filosofia na qual o dualismo moral (bem contra o mal), o conceito de julgamento final e a ideia de uma batalha cósmica entre forças divinas e demoníacas podem ter influenciado aspectos escatológicos do Cristianismo. Além disso o misticismo oriental, que busca por união com o divino e o foco na espiritualidade pessoal também tiveram ecos no Cristianismo primitivo. Os primeiros teólogos cristãos (os chamados “Pais da Igreja”) foram diretamente influenciados por essas filosofias. Por exemplo: Justino Mártir, que tentou unir o pensamento platônico ao cristianismo; Orígenes, que incorporou conceitos neoplatônicos à interpretação das Escrituras e Agostinho de Hipona, que usou o neoplatonismo para explicar a doutrina da graça e da natureza divina. Além disso, várias sociedades secretas, ordens iniciáticas e movimentos esotéricos influenciaram, direta ou indiretamente, a formação, a interpretação e a prática do Cristianismo ao longo da história.

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Marco Mammoli é membro conselheiro do Colégio dos Magos e Sacerdotisas – @colegiodosmagosesacerdotisas

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