Com democracia, sem democracia
Flávio ironiza Lula e acirra ânimos ao mostrar que Bolsonaro goleia em popularidade
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emA cena aconteceu na manhã de quinta, 9, exatas 24 horas após a data marcada pelo Palácio do Planalto para ‘um abraço’ na democracia, passados dois anos de uma suposta tentativa de golpe contra o recém-empossado Governo Lula3.
Sob a marquise de um ponto de ônibus na Avenida W3 Sul, dois homens buscavam abrigo da chuva fina que insistia em cair sobre Brasília. Não eram conhecidos, mas a situação os obrigara a dividir o espaço.
Um deles, com um adesivo desbotado de Jair Bolsonaro no peito, mexia no celular. Via e revia um vídeo postado pelo senador Flávio Bolsonaro, em que o filho do ex-presidente ironizava o ato de Lula na Praça dos 3 Poderes, com pouco mais de 1 mil pessoas, enquanto comparava um evento do pai, na Esplanada dos Ministérios, com mais de 200 mil eleitores. O outro, de camisa vermelha com uma estrela bordada, olhava para a rua com um ar pensativo.
— Esses políticos só sabem roubar! — comentou o homem do adesivo, tentando puxar conversa.
O homem da camisa vermelha levantou uma sobrancelha.
— Generalização perigosa essa sua. Você está falando de todos ou de alguém em específico?
— De todos não, óbvio. Mas o Lula é o maior exemplo. O mensalão, o petrolão… voltando ao poder como se nada tivesse acontecido.
— Engraçado você falar em corrupção e ignorar as rachadinhas e os escândalos do governo passado. Dois pesos, duas medidas? — rebateu o homem da camisa vermelha, sem erguer o tom de voz.
A tensão era palpável. Ambos se encararam por um instante, avaliando se valia a pena continuar a conversa ou desistir. Mas a chuva parecia longe de passar, e nenhum deles tinha para onde ir.
— Olha — começou o homem do adesivo, cruzando os braços —, não é só questão de corrupção. Bolsonaro é um cara que defende valores, família, patriotismo. Já o Lula… é só concessão e ideologia.
— E quem disse que valores e família são monopólio de um lado? Lula tem história de luta, de dar voz a quem não tinha. Faz programas sociais que mudam vidas. Não se trata de ideologia, mas de justiça social.
O barulho de um carro passando por uma poça d’água os interrompeu, jogando lama para perto de seus pés. Ambos olharam para o chão molhado, como se buscassem respostas ali.
— No fim, é sempre a mesma coisa. É a gente aqui, na chuva, discutindo, enquanto eles têm guarda-costas e carrão. — o homem do adesivo suspirou, sem disfarçar o desânimo.
— Verdade. Mas o que a gente faz? Desiste? — respondeu o outro, ajeitando a gola da camisa. — Eles têm poder porque a gente deixa. Se ficarmos presos em brigas, não mudamos nada.
Um silêncio pesado caiu entre os dois. A chuva começava a dar trégua, transformando-se em uma garoa quase imperceptível. O homem do adesivo guardou o celular no bolso, enquanto o da camisa vermelha conferia o relógio.
— Sabe, você não é tão irritante quanto eu pensei que fosse. — disse o homem do adesivo, com um meio sorriso.
— Nem você. Talvez, se conversássemos mais assim, o país fosse melhor. — respondeu o outro, retribuindo o sorriso.
Ambos se despediram com um aceno discreto antes de seguirem seus caminhos opostos. A chuva parou, mas o debate continuava, agora, dentro de cada um deles.
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Vira o pano. Já defronte ao computador para escrever este texto, avalio que a iniciativa de Flávio Bolsonaro, com seu vídeo comparativo, pode não ter mexido com os dois personagens, mas acirrou o clima político na capital da República, mesmo que em pleno recesso dos poderes Legislativo e Judiciário. Um gesto, porém, emblemático, principalmente por ilustrar a disputa de uma narrativa sobre os eventos de 8 de janeiro.
Enquanto o governo Lula busca reforçar a memória institucional e a gravidade do episódio, Flávio opta por minimizar o significado do ato, sugerindo que ele carece de legitimidade ou impacto popular. A postagem, carregada de sarcasmo, visa destacar a força política que o bolsonarismo ainda tem, mesmo após a saída de Jair Bolsonaro da presidência.
É uma retórica que reforça a divisão e a falta de diálogo entre os polos políticos. A publicação de Flávio transmite a ideia de que as disputas devem ser travadas com base no número de apoiadores ou na força de mobilizações de rua.
Como 2026 está chegando, será fácil ao eleitor descobrir o melhor caminho para o Brasil. Se com a a volta de conservadores ou se mantém o leme da nau, que enfrenta mar tempestuoso, com os progressistas.
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Marta Nobre é Editora-Executiva de Notibras