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O gnóstico e o demiurgo

O encontro inusitado de Ag com a Entidade onça, de dentes afiados

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Produção Francisco Filipino

Agenor era um devoto leitor dos textos gnósticos dos primeiros tempos do cristianismo. Quer dizer, considerava-se e podia ser considerado gnóstico, adepto da gnose ou do gnosticismo. Só que, devido a seu nome – e por pura maldade dos amigos –, passou a ser chamado de Ag, o gnóstico.

O que evoluiu (descambou) para Ag gnóstico e em seguida, claro, para agnóstico. O pobre multiplicava as explicações sobre os dois conceitos, praticamente opostos.

– Não, não sou agnóstico – repetia até ficar sem voz. – Um agnóstico afirma que, devido à falta de provas, não se pode defender a existência ou inexistência de Deus. Já os gnósticos, que nem eu, acreditamos em Deus, o supremo Criador, e pretendemos liberar a centelha divina que existe em cada um de nós por meio do estudo, da obtenção do conhecimento espiritual.

E concluía, entusiasmado:

– Pois o termo gnose deriva do substantivo grego para conhecimento. No caso, conhecimento da dimensão espiritual.

Mas todo esse blábláblá não o levava muito longe. Afinal, um cara chamado de Ag gnóstico só podia ser agnóstico, e fim de papo.

Certa noite, Agenor meditava sobre as verdades ocultas em um antigo texto gnóstico, quando se materializou, em sua sala, uma entidade sobrenatural. Parecia um grande felino, com o pelo cheio de manchas escuras.

Parecia…não, era uma enorme onça-pintada!

– Ajoelha-te perante teu deus, ó mortal – miou (rosnou) a onçona.

Ag tremeu de medo, mas permaneceu fiel a suas convicções.

– De…deus? Não, antes deveis ser uma materialização do Demiurgo, o poderoso criador deste mundo. Em alguns textos gnósticos, o Demiurgo é representado sob a forma de um leão; faz sentido aparecerdes, a um gnóstico do Brasil, como uma onça-pintada das nossas matas. De qualquer modo, curvo-me respeitosamente diante de vós.

Ao vê-lo obedecer, o felino pareceu ronronar, feliz como um pinto no lixo.

– Tendes alguma mensagem para os que vos reverenciam? – indagou, ansioso, Ag, o gnóstico.

– Não, estava à toa na vida, então resolvi fazer uma visitinha. Só avise que os demais devotos podem esperar visitas minhas.

E desapareceu, como uma chama que repentinamente se apaga (não por acaso, para muitos gnósticos, o Jeová do Antigo Testamento, que apareceu a Moisés sob a forma de um arbusto ardente – que a Bíblia chama de sarça ardente – é uma das manifestações do Demiurgo).

Depois que passou o perigo de virar chiclete de onça, Agenor permaneceu longo tempo mergulhado em reflexões. Afinal decidiu-se, e então agiu com presteza, como que para recuperar o tempo perdido.

Primeiro, reuniu todos os seus queridos textos gnósticos. Pensou em queimá-los, não teve coragem, mas os guardou em um armário fechado a sete chaves (figura de linguagem, era uma chave só, mas foi o suficiente).

Em seguida, enviou uma mensagem pelo whatsapp todos os integrantes de seu círculo gnóstico. Foram apenas estas palavras:

“Estou fora da gnose. A partir de agora, podem me chamar de Ag, o agnóstico”.

Ele sabia que os outros o estariam chamando de traidor, de trânsfuga, de apóstata, de vira-casaca, mas não deu a mínima. Também não sentiu o menor peso na consciência por não os informar sobre a visita da onça guaçu. Por que o faria, afinal? Ele encarara o Demiurgo e sobrevivera; que os outros se virassem.

Por fim, quando o interrogavam sobre suas crenças filosófico-religiosas, Ag, o ex-gnóstico, respondia de maneira brusca:

– Sou agnóstico. Não disponho de elementos para afirmar a existência ou inexistência de Deus. E mais, quero ardentemente que todo aquele que insistir nesse tema se exploda!

E se afastava, empertigado mas suando frio. Vai que a onçona escutava?

Com certeza não ficaria feliz em ter sua divindade ou demiurguidade posta em dúvida. E então, dente no Agenor, gnóstico ou agnóstico, para uma onça ultrajada tanto fazia. Que os senhores deste mundo são ciumentos e vingativos. A começar por Jeová, o sarça-ardente.

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