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Se não está, saiu

Seu Valdir aprendeu com três idades a arte de dizer o óbvio

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Acervo Pessoal

Meu pai é uma figura, mas não dessas que encontramos em cada esquina. Ele tem algo que o distingue da grande maioria dos pais, que é a capacidade de dizer o óbvio com tanta propriedade, que ficamos estupefatos de ouvi-lo.

Seu Valdir, que no último dia 31 de dezembro completou 83 anos… Aliás, além de ter nascido em uma dada inadequada para qualquer comemoração de aniversário, ainda há controvérsias sobre o ano de nascimento. Controvérsias, pois há mais de uma. Mas deixe-me explicar, antes que você imagine que a louca da história sou eu.

Papai nasceu em Caxias, afamada terra de Gonçalves Dias, lá no quase meu Maranhão. Por que quase meu? É que nasci em Teresina, Piauí, por questão de logística da minha mãe, que, barriguda, preferiu parir no estado vizinho por ser, àquela época, mais seguro do bebê, no caso eu, vingar. E, graças à perspicácia de mamãe, eis que estou aqui para contar essa história.

Pelas contas do meu pai, ele nasceu em 1941, foi registrado como se tivesse nascido em 1942 e, para complicar as coisas, quando se casou, não sei por que carga d’água, mudaram para 1945. Ou seja, o meu velho pode tranquilamente dizer que tem 83, 82 e até dar uma de gatinho e afirmar que tem 79. De qualquer modo, tem como provar pelo menos as duas últimas idades.

Por que meu pai foi registrado como se tivesse nascido em 1942? Bem, segundo consta nos causos falados na família, uma tia dele, para ludibriar o sistema de ingresso na escola, teria induzido meu avô a registrar o filho com um ano a menos. Do contrário, papai não poderia ingressar nos estudos. História plausível, pelo menos para mim.

Quanto à mudança de 1942 para 1945, parece mesmo que foi erro do cartório na hora de emitir a certidão de casamento. São coisas que só acontecem com meu pai, que nem é torcedor do Botafogo, já que é Vasco desde os remotos tempos do Ademir Menezes.

Meu pai é uma mistura entre maranhense e carioca, pois, aos sete anos, foi morar no Rio de Janeiro, retornando para Caxias somente no final dos anos 1970, quando conheceu mamãe e, então, os dois se consorciaram. Digo até que parece mais carioca, principalmente quando o vejo perto do meu marido, que tem o esdrúxulo hábito de calçar chinelo com meia. Sem falar que chia mais que chaleira.

Mas voltando à questão do meu amado genitor dizer o óbvio como se fosse a coisa mais natural, eis que vim lhe fazer uma visita nesses dias. Assim que entrei, beijei seu rosto. Ele me abraçou e, após alguns minutos sentada ao seu lado no sofá, fui procurar pela minha mãe, mas não a encontrei. Nisso, gritei da cozinha:

— Pai, cadê minha mãe?

— Se não estiver em casa, saiu.

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Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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