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Volta de Trump

Lá como cá, eleitor que apedreja é o que afaga

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Autor/Imagem:
Armando Cardoso* - Foto de Arquivo/ABr

A população dos Estados Unidos despertará na segunda-feira (20) sob nova velha direção. Que rufem os tambores. O magnata Donald Trump assume como o 47º. presidente dos Estados Unidos. Sai um pacifista e novamente adentra a Casa Branca o maestro do belicismo. Talvez estejam decretando o início do simbólico funeral de Tio Sam. Tomara que eu esteja errado. Por enquanto, estou certo de que a memória política dos eleitores brasileiros e norte-americanos precisa ser estudada. Protagonista de um dos episódios mais perigosos da história dos EUA e do mundo, Trump volta ao Olimpo nos braços do povo. Eleito com a maioria do voto popular e aclamado pelo eleitorado, ele comandará paralelamente a Câmara, o Senado e a Suprema Corte, composta majoritariamente por magistrados conservadores.

Como dizem nos botecos de periferia, é a sopa no mel, expressão que significa sucesso absoluto. Em outras palavras, a mão que apedreja é a mesma que afaga. No Brasil provavelmente seria diferente se as eleições presidenciais fossem disputadas hoje com os mesmos atores de dois anos e meio atrás. Como a invasão e a vandalização do Capitólio parecem ter sido somente mais uma das peraltices dos americanos acostumados a se acharem os donos do mundo, o quase desmonte da democracia brasileira ainda corre risco de também ser considerado uma brincadeira de meninos do Maternal II. Pelo menos é esse o desejo de deputados e senadores que defendem ardentemente uma anistia para os “patriotas” que, ao vivo e em cores, esculhambaram a República no dia 8 de janeiro de 2023.

O quase golpe consolidou a democracia. É por isso que insisto na tese de que aqui seria diferente, embora saiba que esse é o tipo do filme que a qualquer momento pode ser novamente exibido. É a modernidade da sociedade que se diz descrente da política nacional, mas não se cansa de eleger os políticos de sempre, os quais mostram cada vez menos preocupação com o social. É o roteiro cansativamente reprisado da busca de poder. A indiferença em relação às mazelas do país e a banalização das ameaças aos divergentes são apenas lembretes de que todos ainda estamos muito longe do que hipocritamente chamamos nas reuniões de condomínio de convivência pacífica. O que esperar de um povo que fanaticamente torce pelo fracasso de um governo unicamente pelo prazer de assistir o sofrimento daqueles que o apoiaram?

É o reflexo de uma sociedade caduca e que não admite protagonismos dos antagônicos. E pouco importa que isso gere insegurança para ambos os lados. Importante é o circo pegando fogo. E salve-se quem puder. É inacreditável que se considere normal esse conceito político de que, após o caos absoluto, virá a bonança. Inacreditável, mas verdadeiro. Independentemente do que ocorrer em 2026, o fato é que, queiram ou não, há um longo caminho a ser percorrido em busca da sociedade inclusiva sonhada por uns e odiada por outros. O Brasil é amplo, geral e irrestrito. No entanto, a hipocrisia, a deslealdade e o bom-mocismo de alguns não permitem que ele seja de todos.

Determinados estratos sociais tiveram chances de mostrar ao Brasil do que eram capazes. Por razões diversas, não fizeram coisa alguma a não ser mostrar ao mundo o quanto são incapazes. Portanto, de que adianta viver zoando, acusando e solapando governos e governantes antagônicos se foram piores? Como dizia o poeta baiano Waly Salomão, o açoite é para o cavalo, o freio é para o jumento e a vara é para as costas dos tolos. Que vistam a carapuça todos aqueles que vivem da necessidade de se mostrar para os outros, mas fogem do espelho como medo de mirar de frente quem realmente são. Já que na vida os dias são subsequentes, o amanhã ainda está por vir.

Com ele, o que era expectativa continuará expectativa. É nesse momento que se percebe o tempo perdido com futilidades, discussões banais e conflitos idiotas. Como a soberba precede a queda, é aí que os cidadãos de primeira classe se tocam a respeito do fim do mundo e, principalmente, sobre seu alcance. A conta da aposta no quanto pior melhor pesará no bolso de todos, inclusive no dos cabotinos, presunçosos, afetados, mentirosos e fanáticos. Em outras palavras, quem não se levantar para apagar a luz não poderá reclamar do escuro. A respeito da posse de Donald Trump, faltará um suposto convidado. Na verdade, não há nenhum interesse público que justifique sua presença. Pelo sim, pelo não, ele pode responder ao fajuto telex de Trump com uma simbólica e elegante recusa: “Ainda estou aqui”.

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*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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