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Não sufoque o artista

A tela nunca está em branco e a mente, claro, vive sempre maquinando alguma coisa

Publicado

Autor/Imagem:
Thalita Delgado - Foto Acervo Pessoal

“Não sufoque o artista”, foi essa a principal fala que Daniel Marchi me disse quando perguntei sobre a periodicidade da escrita para a editoria (Café Literário, do Notibras), o que me preocupava muito, porque nunca fiz isso na vida. Depois disso, fiquei olhando a tela em branco do bloco de notas e pensando qual tema seria ideal para começar a escrever de forma oficial. 140 caracteres certamente não seriam suficientes, então eu precisaria de mais.

“Não sufoque o artista”, veio de novo na minha mente ao logo dos dois dias em que fiquei enrolando para começar a escrever algo, incrível como essa frase tomou gosto popular e agora todo mundo, artista (quem é mesmo artista?) ou não, permite usar a coitada como se fosse um pedido de licença ou desculpa. Mas a verdade é que a nossa tela nunca está em branco. As telas que a gente anda consumindo – Instagram, Netflix, Amazon Prime, whatssap e todas as outras – nunca deixam que nossa visão fique branca.

Será por isso que desacostumamos a entender que papel branco, bom e velho sulfite, serve para ser pintado, rabiscado, colorido, feito colagem ou barquinho de papel? A tela em braço serve para ser preenchida, de coisas boas ou não, de coisas que vão ser compartilhadas ou meramente guardadas na gaveta, pra nunca mais olharmos. Antes da tela ser preenchida com 2.384 caracteres dessa escrita, ela foi branca, como deveria ser. Esse é o papel dela, ser preenchida de palavras.

Será que estamos dando importância demais às coisas que já vimos prontas e nos esquecemos de coisas que temos de construir? Sabe o lego? Bom, eu sou do tempo do lego, aquelas pecinhas irritantes que sumiam, e a gente pisava e via uma lágrima cair quando isso acontecia porque doía muito, pois bem. Lego é um brinquedo que, na minha época, era febre, assim como Barbie. Não era nada demais, nem sofisticado nem muito difícil, apenas um brinquedo com milhões de peças de tamanhos, cores, formatos diferentes que íamos montado até criar alguma coisa, qualquer coisa, diga-se de passagem. Essa era a graça da coisa – desculpa, minha mente disléxica se lembrou do livro da grande Martha Medeiros, “A graça da coisa”, que vale muito a leitura em tempos difíceis – a construção.

O fim mesmo nem era tão legal assim, mas dedicar horas da sua vida achando pequenas peças que se encaixavam, que as cores combinassem e montar pedaço por pedaço, isso, sim, era divertido. Quando acabava eu olhava aquilo pronto, que nem sempre tinha forma e gritava “mãããããe, acabei, o que tem pro café da tarde hoje?”. “Não sufoque o artista” deve ou deveria ser perfeitamente sobre isso, essa coisa da gente tentar montar as peças do lego no momento presente. Curtir o processo. Em tempos em que as telas brancas, as paredes brancas, as pessoas brancas precisam ser preenchidas a todo momento, fico me perguntando, até onde o “não sufoque o artista” é sobre realmente não sufocar o artista. Não sabemos, mas que sejamos telas brancas!

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Biografia de Thalita Delgado – Sou muitas, algumas eu já fui, algumas ainda serei, mas, no fundo, sempre mudando. Jornalista por teimosia. Publicitária por conveniência. Empresária por exigência da vida. Crocheteira e escritora por acreditar nos sonhos e por precisar da arte para me expressar e sobreviver. Músicas, livros, linhas, sebos, cafés e cervejas no meio deles, me perco no tempo e me encontro na sensibilidade das pequenas coisas cotidianas. Na pluralidade do que me constitui, elegi o caminho das histórias para sensibilizar quem, assim como muita gente, acredita que a vida se faz rindo e chorando, título do primeiro livro lançado em 2024 pela Editora Autoria.

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