Guará II
Maria Lúcia trava guerra a mosquito, quando o zumbido era da buzina de um carro
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Ao contrário do Zeca, meu marido, sou péssima para dormir. Qualquer coisinha me atrapalha e, para tentar driblar essa dificuldade, tenho cá minhas manias. Uma delas é ter vários travesseiros de tamanhos diversos ao meu redor. A situação às vezes é tão extrema, que o Zeca precisa ficar à beira do precipício, ou seja, entre a cama e o chão.
Tem o grande, que é o principal, onde repouso a cabeça. Outro, um tanto menor, que alcunhei de intermediário, e que coloco entre os joelhos. Tem ainda o menor que o intermediário, que não tem nome, mas que me é bastante útil, pois é o primeiro que uso para me proteger de ataques de seres alados e barulhentos. Por último, mas não menos importante, tem o menorzinho de todos e, por isso mesmo, apelidado de caçula. Este gosto de colocar sobre os olhos, pois, como se fosse cafuné de vovó, me acalma.
Certamente você já se deparou com algum pernilongo metido a tocador de saxofone. O bicho, inconveniente que nem aquele povo que insiste em tocar a campainha num dia de domingo às seis da matina, resolveu se aventurar a fazer uma sinfonia justamente na minha orelha quando meus lindos olhos castanhos já estavam prestes a ser convencidos de que era chegada a hora de adentrar no mundo de Morfeu.
Ágil que nem patada de gato, acerto o miserável seresteiro com uma travesseirada, que, mesmo se fosse elefante, teria caído durinho. Silêncio! Apuro os ouvidos e, quase convencida de que havia conseguido dar cabo do cretino, volto a depositar minha face esquerda sobre o travesseiro maior. Ledo engano. A serenata logo recomeçou, o que me deixou na dúvida se seria o mesmo ou um parceiro desafinado.
Taquei o caçula, taquei os outros dois, recorri até ao grandão, determinada a pôr fim naquele martírio. No entanto, por mais saraivadas eu desferia, o barulho aumentava cada vez mais. Acendi a luz do quarto, e a coisa tinha tudo para descambar para uma terceira guerra mundial, quando o meu marido, sonolento que nem bicho-preguiça, tocou meu braço.
— Maria Lúcia, você tá bem?
— Bem? Estou travando uma batalha infernal com esse maldito mosquito.
— Mosquito? Que mosquito?
— Num tá ouvindo?
— Não.
— Num é possível! Além de velho, agora também tá surdo?
— Meu bem, isso é alguém buzinando lá fora.
O Zeca estava certo. Era mesmo um motorista inconveniente buzinando. Depois de algum tempo, parou. Finalmente, poderia tentar dormir sossegada, mas eis que me bateu aquele remorso. É que havia praguejado tanto contra o pobre pernilongo, que, caso eu o tivesse acertado, não iria sobrar nem a pobre alma do miúdo.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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