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Diagnóstico tardio

Da Asa Norte a Planaltina, tempo passando, e enfim a descoberta do autismo

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Não sou que nem essa gente que confia de cara em desconhecidos. Meu marido me diz que puxei isso da minha avó materna, que era indígena. Errada não estava, havia vista o genocídio orquestrado pelos europeus que aqui chegaram.

Lembro-me de uma vez que, ainda menina, mudei pela primeira vez de casa. Fomos para uma residência maior em Planaltina, quintal a perder de vista, numa rua cheia de casas parecidas com a nossa. Por conta dessa mudança, fui matriculada em outra escola, que ficava a duas quadras de onde morávamos. Hoje, adulta que sou, percebo que a distância não era tanta, mas que me parecia enorme para as pernas curtas dos meus então nove anos.

Todas aquelas novidades não me fizeram bem, ainda mais porque aconteceram todas de uma vez. Sei que antes morávamos em um apartamento minúsculo na Asa Norte e, então, o nosso novo lar, além de muito maior, ainda possuía um belo jardim, com algumas árvores frutíferas, onde passarinhos apareciam diariamente. O problema é que eu já estava adaptada ao meu quarto, conhecia cada taco do piso, inclusive dois ou três soltos.

Assim que o sinal tocou, desorientada que estava, saí da sala e segui o fluxo até o portão do colégio. Mamãe, toda sorridente, me abraçou e me deu um beijo no topo da cabeça.

— E aí, Sofia, me conta como foi o seu primeiro dia? Fez quantos amiguinhos novos?

Não sei exatamente a cara que fiz, mas deve ter sido algo que minha mãe não esperava.

— O que foi, minha filha? Alguém brigou com você?

— Não.

— E por que você tá com essa cara?

Por que eu estava com aquela cara? Aquilo nem eu saberia responder, ainda mais naquela época. É verdade que consegui fazer amizades na escola e até na rua onde morávamos. Levou algum tempo, mas me adaptei do meu jeito. Mesmo assim, quase sempre, eu era a garota quase muda, a que observava tudo ou, então, se perdia em pensamentos no horizonte, mesmo que estivesse parada diante de um muro.

Chegou a adolescência, depois a faculdade, onde conheci o José Carlos, que, anos depois, se tornou meu marido. Foi ele que, já tendo lido sobre o assunto, começou a desconfiar desse meu modo particular de ser. Pois é, o Zeca estava certo, como ficou provado com o diagnóstico que recebi recentemente, perto de completar 45 anos. Sou autista.

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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

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