Fábula
Jamil é um exemplo de criatura e com certeza, de criador
Publicado
em
Jamil é um cachorro de pelos compridos e brilhantes. Educado, não late em hora inoportuna, nem de forma inadequada. Não faz sujeiras no que é público. Jamil é um exemplo de criatura e quiçá de criador.
O que há de nobre em Jamil é sua postura de consócio, já cantada em versos por devotada poeta:
“Sacode o rabo legal,
ele é o amigo leal,
do nosso reino animal.
Au-au-au-au-au-au-au!”
Muito além disso: Jamil parece beirar a natureza hominal.
Jamil mora com uma escritora e cuida dela como enfermeiro de sua solidão. Dirige-a por caminhos que ela é incapaz de traçá-los só. É seu público, mesmo depois, quando desce o pano e se apagam as luzes da ribalta.
Jamil tem instinto camponês e dá-lhe amparo e proteção de intempéries, em seus saberes sobre as estações do ano, o plantio, a colheita. Ele é PHD nos outonos da velha escritora. Sabe entretê-la nas chuvas, nos ventos e nos eventos.
Conta Jamil, sem falsa humildade, uma história surreal que testemunhei ser verdadeira.
Era um lindo sábado de inverno. Uma pequenina cidade de um pobre e simpático estado brasileiro promoveu, com grande esforço, um singelo primeiro encontro de escritores.
Jamil foi convidado a levar sua paciente. Terapeuta experiente, Jamil cumpriu sua missão. Isso redundou no fato de que Jamil recebeu uma comenda de honra ao mérito literário.
— Justa homenagem aos serviços sociais por mim prestados — disse Jamil, sob autêntica modéstia, ao agradecer a premiação.
Almocei com Jamil para entrevistá-lo. Perguntado sobre sua autenticidade acrescentou em tom provocativo:
— Sou carismático por natureza. Já um candidato a governante instalado na plateia quis cativar a atenção do público elogiando o time de futebol mais popular da região. Mas o público cruel não vibrou com a alusão futebolística. Parece que o pessoal tinha ido ao Encontro de Escritores para vibrar com outro tipo de manifestação cultural.
E continuou em tom humanitário:
— Pobre candidato! Se ele se dedicasse a tutelar a orfandade dos escritores como eu, estaria aqui no palco comigo e seria também condecorado!
………………………….
(MEROLA, Edna Domenica. No Ano do Dragão, Nova Letra, 2012, p. 89-90)
………………………….
**Texto republicado por ter saído com incorreções
