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Fábula

Jamil é um exemplo de criatura e com certeza, de criador

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Autor/Imagem:
Edna Domenica - Foto Irene Araújo

Jamil é um cachorro de pelos compridos e brilhantes. Educado, não late em hora inoportuna, nem de forma inadequada. Não faz sujeiras no que é público. Jamil é um exemplo de criatura e quiçá de criador.

O que há de nobre em Jamil é sua postura de consócio, já cantada em versos por devotada poeta:

“Sacode o rabo legal,
ele é o amigo leal,
do nosso reino animal.
Au-au-au-au-au-au-au!”

Muito além disso: Jamil parece beirar a natureza hominal.

Jamil mora com uma escritora e cuida dela como enfermeiro de sua solidão. Dirige-a por caminhos que ela é incapaz de traçá-los só. É seu público, mesmo depois, quando desce o pano e se apagam as luzes da ribalta.

Jamil tem instinto camponês e dá-lhe amparo e proteção de intempéries, em seus saberes sobre as estações do ano, o plantio, a colheita. Ele é PHD nos outonos da velha escritora. Sabe entretê-la nas chuvas, nos ventos e nos eventos.

Conta Jamil, sem falsa humildade, uma história surreal que testemunhei ser verdadeira.

Era um lindo sábado de inverno. Uma pequenina cidade de um pobre e simpático estado brasileiro promoveu, com grande esforço, um singelo primeiro encontro de escritores.

Jamil foi convidado a levar sua paciente. Terapeuta experiente, Jamil cumpriu sua missão. Isso redundou no fato de que Jamil recebeu uma comenda de honra ao mérito literário.

— Justa homenagem aos serviços sociais por mim prestados — disse Jamil, sob autêntica modéstia, ao agradecer a premiação.

Almocei com Jamil para entrevistá-lo. Perguntado sobre sua autenticidade acrescentou em tom provocativo:

— Sou carismático por natureza. Já um candidato a governante instalado na plateia quis cativar a atenção do público elogiando o time de futebol mais popular da região. Mas o público cruel não vibrou com a alusão futebolística. Parece que o pessoal tinha ido ao Encontro de Escritores para vibrar com outro tipo de manifestação cultural.

E continuou em tom humanitário:

— Pobre candidato! Se ele se dedicasse a tutelar a orfandade dos escritores como eu, estaria aqui no palco comigo e seria também condecorado!

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(MEROLA, Edna Domenica. No Ano do Dragão, Nova Letra, 2012, p. 89-90)

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**Texto republicado por ter saído com incorreções

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