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Calor de lascar

Se for pra ser, prefiro a formiga à cigarra folgada

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Autor/Imagem:
Thalita Delgado - Texto e Foto

7h40 da manhã, eu estava ainda no primeiro gole de café quente, quando comecei a reparar a trilha que subia a parede. Organizadas, minúsculas, pequenos pontinhos pretos. Se eu estava pensando em alguma coisa, já não faço a menor ideia. A questão passou a ser por quê formigas fazem o que fazem? Será que elas sabem que o mundo está acabando? Não é bem o mundo, mundo, é a gente… Por que, né?

Bom, tem formiga pra tudo quanto é lado, até na geladeira tem formiga agora, nem era para elas gostarem de lugares frios, gente! O que aconteceu? Elas deveriam ser colaborativas, unidas e focadas em coletar comida para o inverno. Mas a gente não vai ter mais inverno. Na verdade, eu acho que não, né?! Porque o calor tá de matar – aí Deus, mente desconexa, lembrei de Tati Quebra Barraco: piririm piririm piririm, sou eu bola de fogo e o calor tá de matar – tá mesmo!

Tá matando todo mundo! Tá matando o ecossistema, tá matando nosso carisma, tá matando nosso bom humor. Mas, e as formigas? Porque elas continuam fiéis em coletar comida para os momentos de frio? Fico me perguntando, se elas ainda não entenderam o que está acontecendo, ou estão negando as evidências – nem preciso dizer que pensei em Chitãozinho e Xororó, não é mesmo? – Estranho, né? Não, não a música “Evidências”, ela é totalmente hino, até pra quem não sofre de amor.

Estou falando, ainda, das formigas. Talvez elas sejam nós, de forma bem idêntica em negar fatos, mas tão diferentes em comportamentos. Nós, humanos, somos menos solidários, não coletamos comida para nossa comunidade e nem sequer pensamos tanto no dia de amanhã – posso estar errada e, se estiver, me perdoem os devaneios – formigas têm senso de coletividade, têm senso de organização, respeitam hierarquia e têm disciplina muito bem organizadas. Ou seja, os bichinhos minúsculos, tão irritantes – estão em todos os lugares possíveis deste planeta, acho que menos na Antártida – nojentas e sujas assim como as baratas, conseguem ser mais organizadas e com mais bom senso que nós, seres pensantes e donos do poder de comunicação verbal – e também donos de 99,9% dos problemas mundiais, diga-se de passagem.

Será que nos tornamos, então, a Cigarra? Vocês lembram disso, eu sei. A cigarra era o personagem irritante, que zombava das formigas o tempo todo, sempre deitada esperando que as coisas se resolvessem sozinhas. Mas, quando o inverno chegava, ela corria arrependida pedindo ajuda e, mais uma vez, os bichinhos nojentos, mas com senso de coletividade gigante, ajudavam a queria folgada e todos comemoravam no final. Coisas da Disney, a gente já sabe. A realidade aqui fora é bem mais assustadora e mais complexa que apenas abrir a porta de casa e ajudar a quem bater. Mas, sim, acho mesmo que nos tornamos mais cigarras do que formigas. Acho que, quando o nosso “inverno” chegar, vamos todos chorar arrependidos por não termos feito nada para salvar a si mesmo e ao coleguinha.

Ah, a cigarra, eu até gostava dela no meio da história, caricata, cheia de trejeitos, divertida… O problema é que, no final, ela não se arrepende, ela vê a oportunidade e agarra. Ela usufrui do sistema perfeito das formigas e se escora. Ela leva a diversão para o formigueiro, como se diversão fosse a solução de todos os problemas. Deixei de gostar da cigarra. Queria que fôssemos mais formigas, mais coletivas, mais organizadas, mais disciplinadas, mas, talvez, estamos todos sendo mais cigarras atualmente. Mas aqui, você gosta de brigadeiro? Porque no fim, o que importa é comer um docinho.

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