Avanços e recuos
Novo olhar de Trump sobre Europa mexe com geopolítica global
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É inegável que o arranjo de nações que resultou no que é hoje a União Europeia (UE) é um case de sucesso. Não há exemplo no mundo que se compare ao nível de integração que este bloco alcançou. São políticas fiscais, monetárias, de saúde, educacionais, meio ambiente, direitos humanos, aduaneiras, de defesa e de mobilidade bastante avançadas e impositivas para o conjunto de países.
Porém, quanto à defesa, a subordinação aos interesses dos EUA via OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) tem sido a tônica, o que desmerece os avanços civilizatórios conseguidos pela união. Este bloco militar, forjado no pós-segunda guerra para se contrapor ao avanço soviético sobre a Europa, colocou esta, devastada pela guerra, sob a tutela norte americano.
Aliás, a bem da verdade, a OTAN é uma instituição cuja existência hoje constitui um anacronismo, visto a finalidade de sua criação ter sido superada com o desmantelamento da União Soviética e do Pacto de Varsóvia (bloco soviético a quem a OTAN se contrapunha), eventos que colocaram um fim naquilo que se denominou guerra fria, e que justificou a criação e a existência daquela organização.
Sob o domínio dos EUA a OTAN tem submetido a Europa a uma passividade e a um alinhamento estratégico lastreado nos interesses norte-americanos, especialmente em relação à disputa geopolítica e econômica com a China, e bélica com a Rússia. E esta situação não tem ficado impune, e o exemplo concreto disto se percebe pelas consequências decorrentes da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, cujas sanções econômicas impactaram sobremaneira o custo de vida dos países europeus, além de estar drenando vultosos recursos para o abastecimento de armas à Ucrânia, em linha com o determinado pelo então governo de Joe Biden.
A elevação do custo de vida na Europa, assim como os gastos com armas enviadas à Ucrânia, têm tido um efeito devastador na política europeia. Contrariamente ao que a maioria dos líderes europeus têm defendido, está havendo um crescimento de uma extrema direita hostil ao projeto de união, próxima de Trump, contrária ao apoio financeiro à Ucrânia e paradoxalmente pró-Putin. Exemplos recentes foram a conquista de governos como da Itália e o crescimento expressivo em países como Portugal, Alemanha e França.
Em janeiro último houve uma drástica mudança dos ventos nos EUA com a chegada de Trump. A posição europeia quanto à guerra se tornou um grande problema para o bloco, pois Trump tem dado mostras inequívocas de apoio a Putin, e tem afirmado que trabalha para encerrar o conflito impondo uma imensa derrota à Ucrânia e, por tabela, à União Europeia. E o mais grave e ilustrativo dos descaminhos europeus em sua relação de subserviência aos EUA neste quesito durante o governo Biden, é que os EUA têm conduzido conversações diretas com Moscou, ignorando por completo a UE nas discussões sobre o fim desta guerra.
A humilhação chegou ao cúmulo nos últimos dias, por ocasião das mensagens do vice-presidente de Trump, JD Vance, em plena Europa, que ao falar em uma conferência sobre defesa, fez severas críticas à UE, afirmando que a defesa da Europa bem como a questão ucraniana não é problema dos EUA, chegando ao ponto de receitar caminhos para o que a Europa deveria fazer em termos de política de defesa.
A este desrespeito norte-americano quanto a uma busca de solução para o conflito, somam-se as medidas econômicas tomadas pelos EUA, com a imposição de sobretaxas aduaneiras aos produtos europeus, ignorando solenemente a OMC (Organização Mundial do Comércio), que regula as trocas comerciais no mundo.
Este movimento de humilhação que o governo Trump tem imposto à Europa pode ter um efeito importante na reconfiguração geopolítica mundial, pois tem o pendão de servir de estímulo ao bloco em busca de um novo caminho nas relações com os EUA e também com a China, promovendo uma recolocação do bloco no concerto das nações em nível mundial.
Com efeito, a China, ao contrário dos EUA que impõe uma política de força bruta, vem buscando uma política de aproximação, num jogo de ganha-ganha com o mundo, a partir da iniciativa da nova rota da seda. E nesta linha já sinalizou que espera ter um aprofundamento nas relações com a UE a partir desta nova configuração nos EUA.
Uma Europa que resgate sua importância no mundo, pela sua pujança econômica, capacidade industrial, desenvolvimento científico, tecnológico, social e ambiental pode contribuir sobremaneira para um maior equilíbrio no concerto das nações. Ao contrário do que tem demonstrado nos últimos anos, de se apequenar face aos EUA, pode resgatar um dos papeis de ator principal e ser determinante na contenção das loucuras tentadas e já perpetradas por Trump.
Declarações de Macron, de Úrsula Von der Leyen (presidente da UE) e agora do próximo chanceler alemão Friedrich Merz caminham nesta direção. Oxalá a Europa tome novo rumo e aprofunde a defesa dos valores democráticos, do meio ambiente e da vida, em que pese o avanço da extrema direita, o que pode refluir com a diminuição da ingerência dos EUA, aliadas ás medidas de isolamento que as demais forças políticas europeias têm imposto a estas agremiações.
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Antonio Eustáquio Ribeiro, ex-diretor do Sindicato dos Bancários de Brasília, é mestre em Políticas Públicas.