Gênio da troca
Zé Peinha, Zé Pretinho, Chico e o amor por caldo-de-cana
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Na Recife da segunda metade dos anos 50, um pequeno gênio das artimanhas circulava pelas ruas de Casa Forte. Zé Peinha, neto de um renomado industrial da panificação, tinha um paladar refinado para aquilo que considerava a mais divina das iguarias: um copo de caldo-de-cana bem gelado. Para ele, nada se comparava àquela doçura dourada servida no modesto ponto do Chico, na Estrada do Encanamento.
O problema é que o amor pelo caldo-de-cana drenava a sua mesada. O dinheiro que recebia mal dava para sustentar o hábito e ainda garantir sua presença nas matinês do velho cinema Trianon. Mas Zé Peinha era um menino de soluções, não de problemas.
Foi então que ele teve um lampejo de gênio, traçando um acordo comercial improvável. O padeiro-chefe da padaria do avô, o bondoso Zé Pretinho, foi convencido a fornecer semanalmente uma bandeja de pães doces ou sovados. Munido do precioso carregamento, Zé Peinha propôs ao Chico uma troca vantajosa: para cada unidade de pão, um copo de caldo-de-cana. O dono da banca, que também apreciava um bom lanche, topou de imediato.
A partir desse dia, o mundo de Zé Peinha mudou. Ele não apenas manteve sua dose regular de caldo-de-cana, como também passou a direcionar a mesada para outras aventuras e diversões infantis. Um menino que sabia fazer o dinheiro render sem abrir mão do prazer.
Além de suas engenhosas estratégias para obter caldo-de-cana, Zé Peinha vivia intensamente as travessuras de sua infância. Passava as tardes subindo em árvores para pegar mangas, carambolas, sapotis e cajus maduros, organizava campeonatos de bola de gude nas calçadas e empinava papagaios que riscavam o céu de Casa Forte. E, como todo menino curioso, também se aventurava em espiar, pelo buraco da fechadura, a irmã mais velha e as primas tomando banho, sempre correndo o risco de levar um safanão da mãe.
Hoje, ao ler essa história, é provável que o avô de Zé Peinha, onde quer que esteja, solte uma boa gargalhada e acene com a cabeça em aprovação. Afinal, talento para os negócios parece ser hereditário.
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José Seabra é diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras
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