Duelo
Depois do embate, homem e fera viraram terra para flores silvestres

Seus dedos nervosos dedilhavam as cordas da guitarra, e os sons arrancados fundiam-se a pensamentos e lembranças, dando-lhes tessitura.
Vieram recordações dos tempos em que era um rei das canchas – embora, para exasperação dos apostadores que confiavam em sua habilidade e na velocidade de seu cavalo, muitas vezes não se importasse em chegar em primeiro, contentando-se com o segundo lugar. Então, assim aprendera, cumprimentava o vencedor e ia embora em sua montaria. Até uma nova corrida. Até chegar, mais uma vez, na primeira ou na segunda posição.
Mas isso fora antes. Agora, estava velho, não brilhava mais nas corridas organizadas nas aldeias que pontilhavam os pampas. Seguia sempre sozinho, em geral evitando os povoados. Neles, sempre havia alguém que lhe oferecia dinheiro, “em nome dos velhos tempos”, e isso o ofendia e amargurava. Por isso, preferia dormir ao ar livre, envolvido em seu poncho. E pensava na morte. “Quero apenas dois rebenques para improvisar uma cruz na cabeceira de meu túmulo”, dizia sempre. “Ou nem isso”, emendava. “Se eu morrer de madrugada, mirando o horizonte, não vou dar trabalho a Deus; basta que o monte, passado o inverno, semeie meus restos de flores”.
E assim prosseguia, solitário, até que, em um planalto, deparou-se com um leão da montanha. Homem e fera olharam-se; ambos velhos e fatigados, ambos cobertos de cicatrizes, mas ainda assim capazes de travar um último duelo. Ambos podiam retroceder, desviar, mas nem pensaram nisso.
Ele desceu da montaria, que se afastou a galope, assustada com o cheiro forte do felino. Homem e fera aproximaram-se devagar, os dois rosnando, os olhos fixos nos do rival. Um homem e sua adaga, uma fera com seus dentes e garras – seria um confronto justo.
Lançaram-se um contra o outro, gritando e rosnando, para dar ímpeto à investida.
Quando terminou o inverno, o planalto em meio à montanha semeou de flores silvestres duas carcaças.
