Aversão ao frio
De Urupema para Brasília, Geraldo agora projeta morar na Linha do Equador

Geraldo, como todos os outros viventes, tinha afeição por certas coisas, aversão por outras. No entanto, o sujeito não suportava frio. Isso mesmo! O frio era algo que o deixava de humor pra lá de azedo, como se tivesse passado a madrugada dentro de um liquidificador e, assim que os primeiros raios solares desabrochassem, precisasse ir trabalhar.
Problema maior era que o azarado havia nascido em Urupema, cidade catarinense afamada por ser a mais gélida do país. E, para piorar a situação, a família era desprovida de recursos suficientes para bancar um aquecedor. No máximo, dava para colocar algumas lascas de madeira na bacia de ferro. Quando o inverno apertava, a parentada se espremia em volta da bacia antes que alguém congelasse.
Adolescente, jurou que um dia sairia daquele congelador e moraria nos trópicos. Nunca mais sentiria frio na vida. A promessa não se cumpriu, apesar da mudança para um local de clima mais quente, mesmo que seco que nem o Saara.
Agora homem, Geraldo passou em um concurso público e veio morar em Brasília. O salário era suficiente para pensar até em casamento, a despeito do elevado custo de vida na capital. Não chegou a casar, pois a mulher por quem se apaixonou estava de olho em outro. Seja como for, Geraldo acabou se engraçando para cima da Maria da Graça, a Gracinha, colega de trabalho.
De namoro firme, o gajo se sentiu preparado para enfrentar os invernos em Brasília, que, afinal, não são tão inocentes como algum desavisado possa imaginar. É verdade que nada parecido com os de Urupema, mas longe do que Geraldo supunha. Tanto é que, durante um churrasco na casa de um amigo, eis que aconteceu o seguinte interlúdio.
— E aí, Geraldo, gostando de Brasília?
— Odiando!
— Ah, aposto que está sentindo falta do frio da sua cidade.
— Quem gosta de frio é picolé e pinguim, Pedro.
— Hum! Mas aqui é mais quente do que a sua terra, né?
— Isso não posso negar, mas o meu sonho é outro.
— E qual seria, Geraldo?
— Quero construir uma casa na Linha do Equador. Metade numa banda, metade na outra e o quarto no meio.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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