Brasília é uma ilha da fantasia. Quem tiver olhos, e quiser, vai ver quadro de triste realidade
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emPesquisas recentes da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) tornam relativa a fama de “ilha da fantasia” da capital federal, que, por causa dos serviços prestados pelo Estado e do nível salarial do funcionalismo federal, teria uma qualidade de vida diferente de todo o Brasil.
Segundo a Codeplan, as desigualdades socioeconômicas são bem marcadas entre as 31 regiões administrativas (RA) do Distrito Federal (DF). Como ocorre em outros lugares do país, a falta de acesso ao saneamento básico, água encanada, eletricidade e a defasagem entre a idade do aluno e o ciclo escolar distinguem as oportunidades de crianças e adolescentes de zero a 17 anos.
“É muito provável que uma criança nascida na Estrutural [RA de mais baixa renda do DF] não tenha as mesmas oportunidades de acesso a bens e serviços se comparada a uma criança nascida no Plano Piloto [bairro de maioria de classe média alta]”, diz o estudo Índice de Oportunidade Humana (IOH) do Distrito Federal publicado no primeiro semestre deste ano pela Codeplan.
O IOH da Estrutural é de 89,3 enquanto o do Plano Piloto é 98,7. Segundo a companhia de pesquisa ligada ao governo local, ainda há distâncias sociais maiores como no caso da Região Administrativa da Fercal (IOH de 78,3) e a RA formada pelos bairros de classe média alta Sudoeste e Octogonal (IOH 98,8).
A análise reconhece que o menor IOH do DF é melhor que o índice mais baixo medido no Brasil (60,2, no Acre), mas o diretor de Estudos e Políticas Sociais da Codeplan, Flávio Oliveira, lembra que o indicador clássico de distribuição de renda, o Índice de Gini, no DF (0,578) é maior do que o do Brasil (0,527).
“Brasília foi construída num sonho de igualdade, mas a realidade se mostrou mais cruel do que o sonho. E hoje não só espelhamos a desigualdade do Brasil, como somos a unidade da Federação mais desigual”, diz o especialista. Ele acrescenta que “a relação dos 10% mais ricos com os 40% mais pobres no Brasil girava em torno de 15 [vezes]. No Distrito Federal, é 21 [vezes]. Aqui, nós somos mais desiguais ainda que o resto do país”.
Se a falta de acesso a recursos puxa a ponta de baixo da desigualdade, a remuneração de algumas carreiras do serviço público, empregadas especialmente em Brasília, estica as diferenças para cima. “Quando vai para categorias específicas [do funcionalismo público], categorias de Brasília que o pessoal se concentra aqui, essas categorias exibem salários muito mais altos do que o resto da população. E aí cria essa desigualdade que tem no Distrito Federal”, explica Flávio Gonçalves.
O sociólogo e economista Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), confirma que “o peso do funcionalismo público sobre a desigualdade é muito elevado”. Além dessa peculiaridade, Medeiros acrescenta: o DF se diferencia pela “segregação espacial” que separa áreas nobres como o Plano Piloto, Lago Sul e Lago Norte de antigas cidades satélites e assentamentos mais recentes.
Para Frederico Flósculo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, a história de ocupação territorial de Brasília, desde a criação, explica a segregação espacial do Distrito Federal. “Nós temos um problema de ocupação territorial onde o passado está mandando no presente e está mandando no futuro também”.
“Nós estamos neste momento favelizando todo o Distrito Federal. Aquilo que começou de uma forma improvisada, quase irresponsável, na década de 1960, finais de 1950, é realidade na década de 2010, e nós vemos que, infelizmente, vai se prolongar pela década de 2020”, prevê. “Essa Brasília antiga, que está se realizando num sonho de modernidade, está virando um pesadelo”, afirma o urbanista.
Gilberto Costa – ABr