Curta nossa página


Clã, de Trapero, mostra horror real dos hermanos argentinos

Publicado

Autor/Imagem:


Luiz Carlos Merten

Pablo Trapero tem sido uma presença permanente no Festival de Cannes e, no ano passado, chegou a presidir o júri que outorgou os prêmios da seção Un Certain Regard. Este ano, Trapero ficou mais feliz ainda de voltar a Veneza – e de ganhar o prêmio de direção, outorgado pelo júri de Alfonso Cuarón, por El Clan. Com o título de O Clã, o filme estreia nesta quinta-feira, 10, nos cinemas brasileiros.

“Lá atrás, foi Veneza que me descobriu e deu projeção internacional com meu longa Mundo Grua. Voltar e ainda ser premiado foi muito gratificante.”

E com O Clã Trapero ainda entrou para o reduzido time dos autores cujos filmes ultrapassaram 1 milhão de espectadores na Argentina. “Chegamos a quase 2 milhões, algo em torno de 1,8, o que foi verdadeiramente excepcional. O Clã foi a segunda maior bilheteria de todos os tempos na Argentina (após Relatos Selvagens). Esperava uma boa acolhida, mas isso superou toda expectativa. Além da bilheteria, o filme desencadeou um debate muito interessante sobre o episódio real e suas ramificações na história argentina.”

O Clã baseia-se na história da família Puccio – família respeitável, o filho integrante da equipe nacional de rúgbi e, por trás dessa fachada, o pai, ligado ao regime militar, sequestra e mata com os filhos pessoas ricas de quem extorque dinheiro, anunciando-se como porta-voz de uma organização anarco-revolucionária. Trapero reflete – “Há um aspecto universal em O Clã, que é a história da família, de pai e filhos Mas existe a singularidade argentina. Mesmo que o tema da duplicidade também seja universal, creio que existem elementos particulares que fazem da família Puccio – pai autoritário, família submissa – um bom retrato para espelhar a realidade nacional.”

O diretor acredita que essa história – esse horror – só foi possível porque somou-se à duplicidade um outro problema, ou fenômeno contemporâneo, a indiferença. “As pessoas tendem a achar que esse tipo de atividade criminal ocorre longe delas e que, portanto, não lhes diz respeito nem atinge. Entendo isso como uma fuga da realidade. Tem gente que até hoje não acredita que o jovem Puccio, Alejandro, um campeão, tenha feito aquelas coisas horríveis. É um pouco como o que ocorreu em Paris. A bomba tem de estourar na cara delas (das pessoas indiferentes) para que se deem conta.”

Numa cena de O Clã, Arquimedes, patriarca da família Puccio, como pai responsável que é, atravessa a casa falando com os filhos e distribuindo tarefas. Leva um prato de comida – no fim da cena, revela-se o segredo da porta fechada. Alguém está sendo mantido em cativeiro dentro da casa sem que isso afete a rotina da família. Em outra cena, o filho esportista, Alejandro, faz sexo com a namorada e, em paralelo, o pai e o outro irmão matam, a sangue-frio, outro infeliz que foi mantido em cativeiro.
“Queria mostrar esse absurdo, a mistura de duplicidade e indiferença que permite que certas pessoas pratiquem atividades criminosas sem que o mundo ao redor se dê conta disso”, explica o diretor. É uma crítica ao estado do mundo? “Sem dúvida. É a minha forma de manifestar indignação.”

Embora narre eventos ocorridos no período posterior à ditadura, a herança sinistra está presente na construção da figura de Arquimedes Puccio. Interpretado por Guillermo Francella – de Coração de Leão, o Amor não Tem Tamanho -, o patriarca da família Puccio viveu a impunidade do regime e ainda se considera inexpugnável. A alienação da mulher e da filha, que não percebem nada que se passa, é mantida por ele como o faria qualquer pai cioso de suas responsabilidades (se não fossem sequestro, extorsão e assassinato). Arquimedes implica os filhos em seus atos e, diante da súbita rebeldia de Alejandro, ameaça arrastá-lo na infâmia. Papai é certamente um homem da família (e do regime), mas não se sacrifica por um (nem por outro).

Trapero pesquisou muito para fazer seu filme. Arquimedes, Alejandro morreram. A filha trocou de nome. O filho que fugiu, para não compactuar, viveu escondido no exterior. “Eles não querem publicidade e, até agora, ninguém se manifestou, nem com todo o sucesso de O Clã.” Exatamente na quinta-feira, 10, toma posse na Argentina o presidente Mauricio Macri, que encerra uma longa fase de kirchnerismo no poder.

“Acho que será interessante acompanhar o que vai ocorrer, até porque o novo presidente não tem maioria legislativa. Tínhamos um Congresso atrelado ao Executivo, agora teremos de ter um diálogo real entre as instituições.” Sobre seus próximos projetos, ele diz – “Martina (NR – sua mulher, a atriz e produtora Martina Guzmán) dá à luz no começo do ano. Tenho um projeto com os norte-americanos, mas vai ter de esperar. No primeiro semestre de 2016, minha prioridade é ser pai”.

estadao

Comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.