Quando Quase uma Adaptação tem ligações com caminhando nu
Publicado
emLeandro Nunes
São Genésio não tem descanso. O padroeiro que olha pelas causas dos atores e dos músicos tem se ocupado cada vez mais de ouvir e atender às preces de seus devotos. Em Caminham Nus Empoeirados, o santo é invocado logo no início do espetáculo e, enquanto o ator Victor Mendes faz um número musical, Gero Camilo passa o chapéu para recolher as doações. “Só vale dinheiro de verdade. Teatro é só ali no palco”, ele brinca com o público.
Embora seja real, a cena embala o jogo teatral de dois atores itinerantes que buscam viver e sobreviver como artistas. Tal qual o chapéu de São Genésio, Camilo não recolheu muita coisa naquela noite. Para ele, isso não justifica uma “crise” no teatro. “Existe um sucateamento cultural e artístico. Não é um problema do teatro, diz respeito ao todo”, continua. “Mas por ser uma obra muito direta, ele é duramente abatido.”
Essa aparente fragilidade da produção teatral também foi percebida pela Nossa Companhia, que estreia Quase Uma Adaptação, inspirada no conto Casa Tomada, de Julio Cortázar. A peça narra, por meio da metalinguagem, a história de um grupo de teatro que está ensaiando na sede de sua companhia até que, subitamente, barulhos estranhos passam a assombrar o local.
A escolha de montar o texto surgiu há dois anos, durante a sessão do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), que registrou 22 grupos de teatro como patrimônio cultural imaterial. Ainda assim, a decisão não garantiria a proteção do espaço físico das companhias. “Foi então que vimos grupos como o Núcleo Bartolomeu perderem suas sedes para a especulação imobiliária”, relembra a diretora Tatiana Bueno. Movido por esse argumento, o grupo tomou o conto de Cortázar como um manifesto. “O que são esses barulhos? A especulação é apenas um deles que tenta tomar esses espaços”, conta o dramaturgo Lucas Lassem.
Para Camilo, que não integra uma companhia, as dificuldades perpassam a burocracia para obter os editais e patrocínios que concretizem suas criações. Sem suporte financeiro, o elenco sustenta a temporada no Teatro Nair Bello com o dinheiro do próprio bolso. “Ou fazíamos a peça como um ato de resistência, ou esperávamos conseguir um edital”, diz o ator. “Mas o teatro não pode parar.”
E se as portas de alguns espaços se fecharam, “nós vamos cavar outros”, também afirma a atriz da Nossa Companhia, Alexandra da Matta. E é o caso deles, que não estreiam em um teatro, mas vão cumprir temporada no auditório da Biblioteca Mário de Andrade. O consultor histórico da peça, Ricardo Cardoso, é otimista. “A sociedade é um organismo, ela trata de cria novos espaços para se recompensar.”
Camilo também crê que a solução é ir em frente. “O teatro é uma revolução e uma arte muito potente. Tem que colocar o espetáculo no palco”, conta. “É um equívoco se fragilizar pelas dificuldades.” Com um passo de cada vez, os atores levarão Caminhamos Nus… para o Rio Grande do Sul, Campinas e mais duas cidades. Até o mês de agosto, a dupla quer estrear um novo trabalho sobre os 100 anos do samba. Camilo arremata que isso fortalece a arte de Dionísio. “Não vou me apiedar. O frágil de toda essa história sou eu, não é o teatro.”