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Dom Quixote, do alto dos seus 400 anos, vai subir aos palcos

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João Luiz Sampaio

Se a história de uma obra de arte é também a história das interpretações que ela recebe com o passar do tempo, no caso do romance Dom Quixote, já se vão mais de quatrocentos anos de releituras. “Alguém comentou outro dia: são os dois maiores best-sellers da história, Jesus e Dom Quixote”, brinca o diretor Jorge Takla. É ele quem assina uma nova produção da ópera que o francês Massenet escreveu a partir do texto de Miguel de Cervantes.

A estreia é nesta quarta-feira, 2, no Teatro São Pedro e, em abril, a montagem segue para o Teatro Municipal do Rio, com um desafio nada modesto: apresentar ao público uma ópera pouco conhecida, e o que ela tem a dizer sobre um dos personagens mais comentados da cultura ocidental.

“Eu não conhecia a ópera quando fui convidado para assinar a direção. E então fiz como dizia Callas, quando lhe perguntavam de onde tirava suas interpretações. Escute a música, ela dizia. E descobri uma música sublime, linda, onde está toda a dramaturgia da história a ser contada”, explica Takla. “É fascinante ver o encontro entre Cervantes e Massenet. O autor do texto da ópera obviamente precisou adaptar o romance. E algo interessante acontece. Se você lê simplesmente o libreto, percebe claramente as diferenças com relação ao original. Mas, quando ouve a música, enxerga justamente as semelhanças entre o original e a adaptação”, completa.

A produção tem um elenco encabeçado pelo baixo americano Gregory Reinhart. Ele esteve no Brasil nos últimos anos, participando da produção da tetralogia O Anel do Nibelungo, de Wagner, iniciada no Teatro Municipal de São Paulo. Esta será a primeira vez que ele interpreta o papel e terá ao seu lado o barítono Eduardo Amir, como Sancho Pança, e a mezzo-soprano Luisa Francesconi, como Dulcineia. A regência é do maestro Luiz Fernando Malheiro, que também vai comandar a temporada carioca, trabalhando com o mesmo elenco de São Paulo.

Dom Quixote foi uma das últimas obras de Massenet. Estreou em 1910, em Monte Carlo. O texto original de Cervantes (em 2016, são 400 anos de sua morte) não foi sua única inspiração: ao escrever o libreto, Henri Cain se baseou também em Le Chevalier de La Longue Figure, peça do francês Jacques Le Lorrain. Entre as diferenças com relação ao original, uma em particular chama atenção: se, no romance, a jovem e bela Dulcineia nos chega apenas pelos relatos do protagonista, na ópera, ela ganha carne e osso.

“Foi um processo interessante pensar de forma concreta uma personagem que, em essência, representa o ideal, o sonho”, diz Takla, para quem, de certa forma, ela se torna um espelho que nos faz enxergar o próprio Dom Quixote. “Massenet a retrata como uma mulher que tem tudo, mas não está satisfeita, busca algo que ela não sabe o que é, outro desejo, outra poesia, outra loucura. É isso que esse cavaleiro oferece a ela, mas ela não se sente à altura dele. Isso não existe no Cervantes, mas é interessante. No final, esse é um trabalho que viaja por diferentes registros: o que é sonho, o que é verdade, o que é Cervantes, o que é Massenet?”

Doré – Assinada por Nicolas Boni, a cenografia da produção se inspira nas gravuras que o pintor francês Gustave Doré criou para ilustrar a história de Cervantes, em 1863. “Ele me trouxe essa ideia e logo de cara eu fiquei encantado. Evocar o Doré é uma forma de permanecer em um universo próximo ao Dom Quixote, mas a partir de um corte diferente, feito de detalhes. As gravuras também acabaram inspirando os figurinos de Fabio Namatame, a não ser no caso dos três protagonistas, que foram tratados de maneira mais realista.”

estadao

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