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Volta ao Rio de sessenta anos atrás, para lembrar doces histórias

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José Escarlate

Virando a página. Nos anos 50, Copacabana ganhava novidades. Afinal, tinha tudo de especial. No dizer dos poetas, era um bairro de sobrancelhas e unhas bem cuidadas. Os mendigos da época usavam até crachás.

Seus inúmeros restaurantes tinham algo de inusitado. Havia um, na Ronald de Carvalho, que se chamava Canadian Shop, e só servia comida árabe. Outro era o velho e sempre bem frequentado restaurante Harakiri. Ao contrário do que se poderia esperar, a comida era alemã, com seus chucrutes e heinsbeins.

Na avenida Copacabana, trânsito intenso. À época, havia uma praga chamada lotação. Os bondes circulavam por lá em mão dupla, assim como havia ônibus também nos dois sentidos. Hoje, a via é um engarrafamento só, sem bondes e o tráfego em sentido único, do posto 6 em direção ao Tunel do Leme.

Outra mudança significativa foi na Galeria Alaska, que nos anos 50 era o templo e reduto principal dos gays e das lésbicas, a famosa turma do bi-focal. O lugar, a partir de determinada hora, era considerado até perigoso, pois as “bichas” costumavam atacar os transeuntes que julgassem interessantes, na base do “ninguém tasca, eu vi primeiro”. As libélulas se digladiavam, disputando o “bofe”. Com isso, as bichas do bem ficavam no prejuizo.

Hoje, a Galeria Alaska é pura calmaria e abençoada, emoldurada no lado da praia, por dois bares concorridos, um deles, o “Manuel e Juaquim”. Na galeria, onde funcionavam dois teatros de espetáculos pornôs, com travestis desfilando de estrelas, duas igrejas evangélicas convivem hoje pacificamente. A Universal do Reino de Deus, do bilionário Bispo Macedo, e a Igreja Internacional da Graça de Deus, do não menos rico pastor R.R.Soares, cujo ministério vem crescendo assustadoramente. Qualquer dia compra a Globo ou o SBT.

Havia um cidadão conhecido por Pedro das Flores. Simpático, circulava à noite pelas boates do bairro trajando smoking e vendendo botões de rosas para serem oferecidas pelos parceiros às suas damas. Dizia que era para enfeitar a noite do “seu bem”.

Helena de Lima, uma das boas cantoras da época, lançou uma marcha-rancho que dizia: “Lá vem o Pedro das Flores, perfumes traz, perfuma amores”. Ela e Miltinho badalavam a musiquinha. O Pedro faturava bastante, e só ia para casa ao final da madrugada, depois de saborear o caldo verde da Lindaura, no chamado Beco da Fome, na Prado Júnior esquina com Viveiros de Castro. Nesse tempo, eu morava na avenida Atlântica, esquina com Prado Júnior.

Hoje, os camelôs de Copa circulam pelos bares da noite e pelos inferninhos da orla oferecendo drogas e Viagra, para ajudar a turbinar os velhinhos do bairro.

À época, eu vivia com água na boca, só de olhar. Aos 16 anos, estava descobrindo o mundo.Tudo era um deslumbramento. Com a minha turma, todo mundo “duro”, sem tostão, ía para a porta das boates – sem entrar, claro -, para ver o mulheril. Gente bonita, cheirosa e bem vestida.

Circulávamos intensamente, do Leme ao Posto Seis, percorrendo o que chamávamos de “Via Crucis”: o Perroquet, Bambú, Sirocco, Mocambo, o Arpège, o Carroussel, e muitas outras. Tinha ainda o Sacha’s, que despontou depois do incêndio que destruiu a boate Vogue.

Após a tragédia, que deixou cinco mortos, o pianista Sacha Rubin, que alí tocava, resolveu abrir sua própria boate, na avenida Atlântica, o Sacha’s. Sempre com um copo de uísque ao lado e o velho cigarrinho no canto da boca, o pianista prestava homenagem aos clientes conhecidos,executando suas músicas favoritas. O que era sabido e também bastante comentado à época era o fato de que, no auge do verão carioca, o escritor Rubem Braga ficava para dormir na boate. Por causa do ar-condicionado.

PV

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