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Bike carimbada

A engrenagem da Magrela que Astolfo vendeu não era bem dele

Publicado

Autor/Imagem:
Gilberto Motta - Texto e imagem

Nas comunidades pesqueiras do litoral de SC, toda bicicleta é chamada de bike ou “magrela”.

Astolfo chegou ao botequim com a “magrela”. Olhou pra mim e disse:

– Quer comprar? Fica com ela; só pra me ajudar…

Olhei nos olhos da fera e cravei:

– Sim. Quanto?

Passaram segundos infindos até a resposta final:

– 200 pau.

Pensei por segundos. Abri a carteira e paguei.

“É minha a Magrela”.

Astolfo, aliviado, pegou os pilas e deixou a bike ali na frente do Botequim do Maneca.

Sentimental que sou, gritei sem pensar:

– Não, Astolfo…pega a bike e vá para tua casa. Amanhã você me entrega lá na Pousada do Baiano.

UM MÊS DEPOIS…

Mesmo Botequim do Maneca, tainha frita com cachaça de alambique e cerveja gelada.

E lá vem o Astolfo:

– Quer comprar? Fica com ela; só pra me ajudar. ..

Pensei por alguns segundos. E disse:

– Estou esperando a entrega da tua primeira bike desde o mês passado, cara!

Astolfo empalideceu:

– Opa, seu Giba! Foi pra ti que eu vendi a outra “magrela?, disfarçou Astolfo.

No início da tarde, o “amnésico” Astolfo levou a bike para mim na pousada do Baiano.

TEMPOS DEPOIS…

A bike que Astolfo me vendera era “batizada” – fruto de posse do alheio -, e com uma engrenagem toda corrompida.

Pedalamos pela orla da praia, fomos ao Bar do Zé e tomamos umas.

Lembro-me vagamente de Astolfo me levantar após dois tombos de cinema antes de chegar à praia beirando o Rio da Madre.

Depois de Astolfo e a “magrela batizada e sem engrenagem”, pelo menos compreendi um pouquinho mais as regras locais praticadas há séculos pelos nativos que a todos julgam “farasteiros”. E, claro, cai na real sobre a “engrenagem” de otário de minha própria vida sem frenagem, sem nada, sem rumo e muito menos malícia ou maldade.

Hoje, agradeço ao Astolfo, o primeiro “traficante de bikes/magrelas” que conheci na vida. Tempos depois, a “magrela” foi roubada do quintal da pequena pousada onde moro.

“Não foi gente aqui da Guarda, não, seu Giba. É coisa de forasteiro”, disse-me o velho Mané pescador, misturando afeto e consolo típico dessas gentes sinceras e parceiras que cruzam o nosso caminho do viver.

Contudo – e ao cabo -, restou pelo menos a experiência geradora de mais uma crônica praieira saborosa feito uma tainha ovada feita na folha de bananeira e recheada com farofa de mandioca regada com muita pimenta brava da terra.

Ui…o “fiofó” ficou que só uma “flô”, visse “quiridu”!

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