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A Fifa, a máfia, o Catar, a escolha das sedes das Copas…

Mais importante do que o resultado do jogo de abertura da Copa do Mundo entre o Brasil e a Croácia, na quinta-feira 12, no chamado Itaquerão, quem sabe, serão os apertos de mãos, sorrisos e expressões joviais dos cartolas nas tribunas. Como será um suposto encontro entre Sepp Blatter, o presidente da Fifa, e Michel Platini, seu homólogo na Uefa? Ou esse encontro não ocorrerá?

Blatter, sucessor de João Havelange em 1998, com quem, aliás, aprendeu a capitanear a Fifa (ele se autoproclama, de fato, “capitão do navio”) da forma mais corrupta possível, é o único a ter revelado publicamente seu interesse por um quinto mandato na organização mundial de futebol. Embora declarasse, desde a sua eleição em 2011, que esses seriam seus últimos quatro anos no leme, agora ele repete: “Minha missão ainda não foi cumprida”.

Por sua vez, Platini, o ex-número 10 da seleção francesa e três vezes ballon d’or nos anos 1980, parece ser o único rival à altura de enfrentá-lo, embora também ainda não tenha oficializado sua candidatura para o pleito de 2015. Ex-aliados, Blatter agora não perde a menor oportunidade para propalar o fato de Platini, 58 anos, ter se envolvido de forma exagerada na escolha do Catar. O nome do pequeno emirado do Golfo de 2,2 milhões de habitantes virou uma bomba com potencial, segundo uma fonte de CartaCapital, “para fazer explodir a Fifa e implodir, na esteira, a Uefa”. Nesse mar revolto, o suíço Blatter, 78 anos, quer jogar a culpa na escolha do Catar, que ele considera um “erro”, em Platini.

O novo enredo teve início no domingo 1º de junho, quando o semanário britânico The Sunday Times deu um furo. A escolha do Catar teria sido feita graças às propinas do então vice-presidente da Fifa, o catariano Mohamed bin Hammam, no valor de 5 milhões de dólares, em troca de votos a favor do emirado. Os pagamentos aos integrantes do Comitê Executivo da Fifa viriam de várias contas secretas da Kemco, empresa de construção de Bin Hammam, então também presidente da Confederação Asiática de Futebol. Em 11 páginas, em que se exibem e-mails e transferências bancárias, o Sunday Times demonstra como o Catar rompeu todas as regras da Fifa. No entanto, o Comitê Catar 2022 diz que Bin Hammam não fazia parte da equipe de licitação.

O ex-vice naturalmente insiste ter mantido total neutralidade em razão dos seus dois cargos. Mas os documentos deixam transparente o seu papel de lobista e demonstram como se deu que ele transferisse dezenas de milhares de dólares para dirigentes da Fifa. Jack Warner teria sido um dos beneficiários. Então também vice-presidente da Fifa e presidente da Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf), teria recebido 1,5 milhão de dólares. Warner era capaz de tudo. Em 2006 vendia ingressos para a Copa por três vezes o valor nominal. Quatro anos mais tarde comprou ingressos no valor de 84 mil dólares. Era aliado de Blatter, mas depois de apoiar Bin Hammam para a presidência em 2011 teve de renunciar aos cargos na Fifa e em seguida na Concacaf por alegações de suborno. O mesmo fim teve Bin Hammam. Um dos homens mais influentes na eleição de Blatter em 1998, teve de renunciar em junho de 2011, seis meses após as eleições da Rússia e do Catar. O motivo: acusação de tentativa de suborno na sua empreitada para vencer a presidência da Fifa.

A imagem de Platini sofreu quando uma fonte reportou ao vespertino Le Monde que o ex-meia da seleção francesa tomou um café da manhã com Bin Hammam em um hotel na Suíça. Isso a poucos dias da votação em dezembro de 2010. A fonte do jornal diz que Bin Hammam não queria comprar seu voto para o Catar, mas sim que ele se candidatasse contra Blatter. Platini recusou-se e Bin Hammam resolveu então se candidatar. Nesta semana, o diário britânico The Daily Telegraph garantiu que Bin Hammam queria mesmo era “comprar o voto favorável ao Catar de Platini”.

O diário francês L’Équipe, por sua vez, correu em socorro de Platini em uma matéria de primeira página intitulada: “Quem quer a pele de Platini?” Segundo o L’Équipe, o Daily Telegraph “se apoia em fontes” e “não fornece provas” de que houve tentativa de suborno por parte de Bin Hammam. Escreveu Platini ao Telegraph: “Acho incrível que um encontro com um colega seja transformado em conspiração de Estado”. O L’Équipe, no seu canto, escorrega ao fazer um segundo artigo com o título “Uma revanche inglesa?” Na verdade, jornais britânicos têm sido instrumentais na luta contra a corrupção na Fifa.

O “erro de Platini foi ter revelado seu voto a favor do Catar”, reporta o L’Équipe. Isso já no dia da votação, em dezembro de 2010. Platini fez mais: aceitou um convite do então presidente Nicolas Sarkozy para jantar no Palácio do Eliseu com dirigentes catarianos. Entre os presentes, o filho do emir e o premier do Catar. Data: 28 de novembro de 2010, dias antes do voto a favor do Catar. “Não sou tão burro para não entender que Sarkozy queria que eu votasse a favor do Catar”, avaliou Platini. “Mas ele nunca me pediu para fazê-lo.” O L’Équipe não revelou que Platini, às vésperas da votação, recusou um convite de Vladimir Putin para visitar Moscou. Também não comentou que o filho de Platini, Laurent, tornou-se chefe-executivo da Burrda, empresa de esportes catariana. Mais: um ano mais tarde, a Qatar Sports Investments comprou o Paris Saint-Germain (PSG), o time de Sarkozy. “O fato de Platini ter aceito, após ter votado no Catar, que seu filho trabalhe para os catarianos não é ético”, avalia a fonte.

A escolha do Catar nunca deixou de arrancar suspeitas de corrupção. Um país com verões de 50 graus centígrados, sem tradição de futebol, sem um estádio sequer é, de fato, menos credenciado para acolher o maior evento futebolístico. Tanto mais em comparação com os EUA, o Japão e a Austrália, entre os mais cotados para a edição de 2022. “Seria como organizar a próxima competição mundial de esqui na Costa do Marfim”, diz a fonte que esteve em Doha em meados de 2010 para fazer uma reportagem para um jornal europeu. “Em Doha, logo me dei conta de que eles iam conseguir a escolha.” O motivo? “Eles têm petróleo e numerosos cartolas do futebol não têm escrúpulos.” A questão, emenda, “é como os catarianos usariam o dinheiro deles para ser sede da Copa”.

Reportagens sobre casos de corrupção e propinas não escassearam desde a votação favorável ao Catar, e da Copa do Mundo na Rússia em 2018. A mídia americana, derrotados os EUA na final por 14 a 8 votos, para a ira de Bill Clinton, tem sido bastante ativa. Idem a britânica, derrotado o Reino Unido pela Rússia por 20 votos a humilhantes 2. O diário The Guardian reportou, em maio, que morre mais de um trabalhador imigrante ao dia nas obras do Catar. E, segundo a Confederação Internacional Sindical, se até 2022 as leis trabalhistas não forem reformadas, 4 mil trabalhadores imigrantes perderão a vida.

Nos últimos dois anos, o americano Michael Garcia, presidente da Câmara de Instrução da Comissão Ética da Federação Internacional, investiga as supostas corrupção e propinas a envolver a escolha do Catar. Garcia deverá entregar o relatório à Fifa na segunda-feira 9. Observadores dizem que ele não terá tempo de avaliar os documentos publicados no Sunday Times no dia 1º e os próximos artigos do semanário. “Esse inquérito é uma farsa”, diz a fonte. “Ademais, Garcia não leva em conta o caso da Rússia.” Houve trapaça lá também? “Quando há duas há três.” Em miúdos, se houve propinas no Catar por que não na Rússia? De qualquer modo, Garcia tem poderes limitados. Só Blatter poderá decidir se haverá nova votação. E, no caso, haveria dois problemas. Primeiro: teriam de lidar com Putin, que não aceitaria um novo escrutínio. Segundo: custaria bilhões de euros. Os patrocinadores estão inquietos. Blatter, que diz, ao contrário de Platini, ter votado nos EUA, vai ser testado. Se a reeleição lhe valer um quinto mandato, talvez ele siga adiante. A solução para o esporte mais amado do mundo é a reforma da Fifa, ou o seu fim. E sem Platini e Blatter.

Gianni Carta

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