Quem não estuda...
A fila do pão, o general e novo golpe abortado
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Gosto de pensar que a petulância da adolescência nunca me abandonou por completo. Que sou velha, não resta dúvida, mas tenho cá ainda força suficiente para uma boa briga. No entanto, nada de violência, pois sou da terra onde o profeta José Datrino pintou a emblemática frase ‘Gentileza gera gentileza’ no viaduto do Gasômetro.
Não devia ter 16 anos, pois aconteceu pouco depois de 1984. Mamãe havia me pedido para ir até a padaria da esquina, cujo cheiro dos pães inebriava a todos que passavam na esquina da Ministro de Castro com a Belfort Roxo, em Copacabana.
Uma iguaria, que a minha lembrança se recusa a aceitar que possa haver melhor nas panificadoras que hoje frequento em Brasília. Memória afetiva, talvez, ou coisa de velho, que não se conforma com a ligeireza que a vida toma quando nos tornamos adultos.
Pois lá estava eu na fila do pão, quando um homem, que àquela época me pareceu regular em idade com meu avô, quis furar a fila. E isso justamente na minha vez. Não sei de onde arrumei coragem para tal, pois coloquei meu braço esquerdo sobre o balcão, para surpresa do sujeito.
— Menina, sou general!
— E daí que você não quis estudar? Tenho culpa disso?
O tipo me olhou surpreso, mas não que eu tenha virado meu rosto. Percebi pelo reflexo do espelho acima do cesto de pães. Rogério, o balconista, ficou indeciso por um instante, porém, vendo que eu não arredava pé, tratou de colocar meia dúzia de pães quentinhos dentro do saco de papel com a logomarca da padaria.
— Aqui, Lucinha. Próximo!
Em seguida, fui até o caixa, onde paguei e tratei de ir logo embora. Mal entrei no nosso apartamento, contei o ocorrido para minha mãe, que gostou.
— Isso mesmo, Lucinha. Se a gente não pôr limite nesse povo, daqui a pouco tentam outro golpe.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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