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Vingança no Maranhão

A longa saga e a espera de Damiana na Casa da Luz Vermelha

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Estêvão Agapito Ferreira da Silva, diziam, era um dos tantos filhos não reconhecidos de Lampião. Não se sabe se essa história é verdadeira, ainda mais por conta da profissão que a genitora do sujeito nem teve oportunidade de escolher, já que foi empurrada sem eira nem beira depois de perder os pais. O único irmão, mais velho, sem tempo para cuidar da menina, e sem enxergar nela qualquer serventia, a trocou por meio saco de farinha e dois cabritos.

Damiana, a tal mãe de Estêvão, pariu o filho em uma bacia, logo após se deitar com um dos tantos homens que buscavam seus serviços. As dores do parto se esvaíram como poeira ao vento, pois o menino, mirrado que nem filhote de gata de rua, precisava sugar o peito antes que se juntasse a tantos outros no cemitério do vilarejo no interior do Maranhão. Por sorte, azar ou destino, Estêvão vingou e, ao longo dos próximos 16 anos, viu-se metido naquele recinto movimentado por conta da freguesia em busca de minutos de alívio para suportar a dureza da vida.

O agora rapaz, apesar de não ter puxado a beleza da mãe, era querido pelas mulheres da casa, que, em troca de alguns favores, o ensinaram a arte de amar. Coisas básicas, que a maioria dos homens sequer desconfiam da sua existência. Ademais, Estêvão mostrou ter outro dom, a matemática, que, aliada à outra, o bom senso, o fez contador de dona Santinha, a proprietária do estabelecimento.

Certa feita, dois homens chegaram ao local em busca de divertimento. Pelas vestes, era gente de posses. Um deles, provavelmente o mais velho, que apresentava uma calva profunda, quis se deitar com Damiana, que o repeliu como raramente o fazia, por pior que fosse a companhia. Dona Santinha, inconformada com a atitude, foi ter um dedo de prosa com a funcionária.

— O que deu em você, mulher? Nunca te vi recusar homem. E vai fazer essa desfeita justamente agora com sujeito rico?

— Dona Santinha, a senhora bem sabe que não me recuso a trabalhar, mas com esse sujeito não me deito nem se me amarrarem num tronco.

— Pois fique aqui, que vou dizer que você tá indisposta.

Dona Santinha conseguiu convencer o cliente. Quer dizer, o sujeito ficou emburrado com a recusa, mas não era prudente arrumar confusão justamente ali, local afamado pelos bons serviços. Dessa forma, acabou aceitando a proposta de se dirigir ao quarto mais ao fundo, onde outra funcionária, Suzana, beldade de seus 20 anos, já o aguardava.

A despeito de não poder reclamar da noite de luxúrias, o tal homem cismou que queria se deitar com Damiana. Tanto é que, na noite seguinte, retornou, onde avistou a pretendida sorridente conversando com um cliente. Ele observou o casal de última hora, até que a mulher percebeu que estava sendo observada e voltou o rosto, quando os olhares se cruzaram.

Damiana, para seu próprio espanto, sorriu para o tipo que, na noite anterior, lhe causara repulsa. Ela inventou uma desculpa qualquer e dispensou o cliente com quem conversava, prometendo-lhe que, em outra oportunidade, o compensaria de alguma forma. Não tardou, a mulher foi até o homem calvo e, após breve conversa, os dois se dirigiram para um dos inúmeros aposentos.

Após consumarem o ato, o cliente parecia extremamente satisfeito e, por um instante, imaginou-se apaixonado pela mulher ao seu lado. Acendeu um cigarro, tragou profundamente e exalou a fumaça, que se espalhou pelo ambiente. Ele se virou para Damiana e sorriu.

— Quer?

— Não costumo fumar, mas vou aceitar.

Damiana tragou e a fumaça foi expelida em círculos quase perfeitos, que se desfizeram aos poucos. O homem, maravilhado, observou a cena e, não tardou, tentou beijar os lábios da mulher, que o repeliu.

— Não gosta de beijar?

— Gosto, mas tenho algumas restrições.

— Hum… Não pode abrir uma exceção pra mim?

Damiana encarou o sujeito e soltou uma gargalhada sonora, o que o deixou confuso. Ele, talvez na tentativa de se sentir mais próximo à mulher, sorriu de maneira forçada.

— Qual é o seu nome?

— Não é possível que você tenha se esquecido.

— Como assim?

— …

— A gente se conhece?

— …

— Como você se chama? Não quer me falar?

— Damiana.

O homem arregalou os olhos e, cambaleando, foi se afastando da mulher. Vestiu-se desastradamente e, desorientado, saiu daquele lugar. Dizem que, ao chegar a sua residência, passou pela esposa e filhos, entrou no quarto, onde pegou um revólver na cabeceira e estourou os miolos.

A notícia logo chegou aos ouvidos da Damiana, que não pareceu se incomodar com o ocorrido. Continuou trabalhando e, dizem, até com ânimo renovado. Dona Santinha, intrigada com todo aquele vigor, foi ter uma prosa com a funcionária.

— Mulher, o que aconteceu, que os clientes são só elogios?

— E por acaso já houve reclamação do meu trabalho?

— Jamais, Damiana.

— Que bom!

— Pelo visto, você está bem, então?

— Ótima! Tão ótima, que estou me sentindo como se fosse uma menina finalmente vingada.

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Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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