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A luta do Egito para resgatar o protagonismo perdido

Um Império durante milhares de anos, cenário de uma derrota napoleônica, de uma retirada britânica na II Guerra Mundial e de uma revolução antimonárquica estremecedora, o Egito trata de recuperar sua condição de epicentro político no Levante.

País imerso em uma guerra de intensidade com grupos islâmicos que ultrapassaram suas ações na península do Sinai, nordeste, para esta capital e outras cidades, o presidente Abdel Fattah El Sisi reiterou várias vezes desde que chegou ao poder em junho passado que se propõe a devolver ao Egito o brilho perdido.

Depois da deposição por uma revolta popular no início de 2011 do ex-presidente Hosni Mubarak, os subsequentes confrontos levaram à primeira magistratura Mohamed Morsi, um dos membros da direção da Irmandade Muçulmana (IM), cujo governo apenas se estendeu por um ano.

O triunfo eleitoral de Morsi nas eleições de 2012 foi atingido por uma estreita margem em aliança informal com partidos laicos e esquerdistas que tratavam de evitar a todo custo uma vitória de seu rival, Ahmed Chafik, que teria representado um mubarakismo por outros meios.

Mas a IM desperdiçou esse triunfo com sua decisão de impor aos egípcios um modo de vida ajustado à ortodoxia extrema do Islã, incongruente com o laicismo prevalecente na sociedade pela revolução dos oficiais livres que levou Gamal Abdel Nasser à presidência e imprimiu nesse país um caráter peculiar.

O falecimento do presidente em 1970 abriu passo para um setor político personificado em Anuar El Sadat e, após sua morte violenta em 1981, em Mubarak, cuja corrupção administrativa e aliança com os Estados Unidos propiciaram o aumento do apoio à IM.

Essa sequência de fatos explica por que nos dias prévios e nos posteriores à turbulenta derrubada de Morsi circulou uma farta iconografía na qual apareciam os rostos de Sisi e de Nasser, igualados para a história, ao menos no imaginário dos opositores tanto de Mubarak, como da confraria islâmica.

Instalado na cadeira presidencial, e inclusive antes, durante sua campanha eleitoral, o ex-ministro de Defesa falou sobre sua intenção de fazer com que o Egito recuperasse seu papel preponderante tanto na política africana, como na árabe.

A entrada no Magreb do Estado Islâmico (EI), o movimento armado que ocupa regiões no Iraque e na Síria e está implantado na Tunísia, Argélia, Líbia e no próprio Egito; e os avatares da guerra na Síria, dão uma oportunidade dourada que o Cairo parece ter intenções de capitalizar com fins políticos regionais.

Em meados de janeiro o governo egípcio ofereceu ser sede de um encontro das partes em disputa na Síria, o que colocaria esse país no papel de mediador em um conflito com o qual se mantém equidistante das partes, ainda que é notório que se opõe ao avanço das forças do EI, sua Nemesis.

Essa vontade do Cairo é compartilhada pelos Estados Unidos e potências da União Europeia, integradas em uma coalizão de 40 países, 10 deles árabes, elaborada para combater o EI, a cujo auge contribuiu em certa medida ao apoiar os grupos armados que há mais de quatro anos querem derrubar o presidente sírio Bashar al Assad.

Ainda que o Egito tenha se integrado a essa aliança, El Sisi tomou distância e esclareceu desde um princípio que o apoio exclui a participação em combate de suas tropas, uma forma sutil de remeter o esforço aos criadores da crise, os quais, como era de se esperar, recusam se verem envolvidos em outro conflito levantino após o pântano iraquiano.

Neste contexto há que acrescentar o ataque contra um semanário satírico no início de janeiro na França e incidentes em outros países europeus, grandes nuvens de uma tormenta que assustam esse continente, separado por um curto trecho do Mar Mediterráneo do Norte da África, onde o EI está implantado com pé firme.

Fatos em data recente indicam que Cairo poderia ter elaborado ou estar preparando uma estratégia para apresentar frente ao EI com alcance nacional, entendendo como tal o conjunto dos países árabes do Levante e do norte africano, um conceito desenvolvido por Nasser.

O tema foi colocado sobre a mesa na reunião urgente de chanceleres da Liga Árabe em 14 de janeiro passado, durante a qual se anunciou a conveniência de criar uma força regional para combater os radicais, na qual o Egito, com o Exército mais poderoso da região, teria posição de comando.

Outro indício nesse sentido foi a visita a esta capital do primeiro-ministro iraquiano, Haider El Abadi, em 10 de janeiro passado, durante a qual visitante e anfitrião concordaram “dar passos tangíveis entre muçulmanos xiítas e sunitas para reduzir as tensões na região”.

Também há que levar em conta a assinatura de uma aliança estratégica econômica com a China, a melhoria substancial das relações com a Rússia e a visita do primeiro-ministro japonês no início de janeiro, apoios inquestionáveis a El Sisi, que tem demonstrado ser paciente, coerente e efetivo em seus propósitos.

A formulação é uma mensagem velada ao Irã, paladino dos xiítas, sobre a necessidade de fazer uma coesão contra o EI, importante, dadas as estreitas relações de El Sisi com a Arábia Saudita, em disputa com o Teerã pelo predomínio no Golfo Pérsico, mas que convergem no desejo de ver o grupo radical desaparecer.

Ante essa realidade, um fortalecimento do Egito está no interesse da Europa, que retribuiria o favor deixando de lado suas críticas à forma como a Irmandade Muçulmana foi tirada do poder e incentivando a volta dos investimentos diretos, um fluxo de liquidez que Cairo precisa com urgência.

Moisés Saab

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