Cresci no interior. Não numa cidade pequena, mas na parte mais distante do centro de qualquer povoado, por menor que seja. Por isso, quando alguém me pergunta se o local onde nasci está no mapa, respondo que Deus, talvez propositalmente, deixou de incluí-lo. O mal-estar é instantâneo, como se eu fosse uma aberração. Mal sabem eles que eu, Maria das Dores dos Santos, carrego todas as dores comigo e jamais contei com a ajuda de qualquer santo.
Lembro-me bem da primeira vez que estive em São José do Brejo do Cruz, aqui na Paraíba. Foi pouco antes das regras me chegarem. Acompanhei meu pai, que foi vender a sobra da farinha de macaxeira. Ele tratou com um sujeito, dono de comércio, que pagou uma ninharia por tantas horas de trabalho de sol a sol, sem contar as léguas vencidas para chegar àquele lugar.
Não sei se o homem, um tipo encorpado e suarento, ficou com dó ou, então, quis garantir que papai retornasse na próxima colheita. O certo é que nos convidou para almoçar. Arroz, feijão de corda e um tanto de farinha. Comida conhecida, mas em quantidade muito maior do que estava acostumada.
Devo ter arregalado meus grandes olhos castanhos, pois a cozinheira, talvez tocada por minha magreza, foi generosa. Encheu meu prato igual ao de papai. Mal me acostumei com o peso, andei com cautela de veado-catingueiro para não deixar nem farelo cair.
Sentada ao lado de papai num canto, trocamos olhares. Não me atrevi a tocar na comida até que ele me cutucou o ombro e me disse:
— Pode comer, Maria.
Tratei de obedecer e comecei a levar aquela comida à boca, quando dois homens chegaram. O mais alto se virou para o menor, como se espantado pelo que viu. Em seguida, se dirigiu à cozinheira:
— Raimunda, quero um prato de pedreiro que nem o daquela menina ali.
Olhei para meu pai, que me mandou continuar comendo. Naquele tempo, ainda desconhecia o sentido das palavras daquele homem. No entanto, quando descobri, percebi que, talvez, ele não soubesse o real significado da fome.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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