Carmen, 49 anos, era uma viúva sem filhos, moradora de um bairro pobre de um subúrbio de Buenos Aires. Casara sem amor, cuidara do esposo sem amor, o enterrara com alívio. Agora, podia entregar-se de corpo e alma a seus dois amados.
Um deles era Juan, seu vizinho, que morava na mesma rua. Aos 51 anos, era um homem atraente, de sorriso atrevido. Foi seu namorado, seu primeiro homem, mas casou-se com outra, a rival estava grávida, ela nunca o perdoou e nunca o esqueceu. Só não chegava perto porque ele continuava casado, esse era um limite que ela não transpunha.
O outro era Juanito. Ela o viu crescer, assistiu ao desabrochar da criança linda, que se tornou um belo adolescente e, depois, um jovem de fazer mulheres de todas as idades perderem a cabeça. Ela inclusive. Aos 24 anos, era mais sedutor que Juan na mesma idade, tinha um sorriso ainda mais atrevido que o do pai. A viúva se apaixonou perdidamente pelo homem que poderia ser seu filho, mas que não era, e sim, graças aos deuses, um jovem solteiro, livre e desimpedido.
Carmen começou a caçá-lo pelo bairro, mas tentava ser discreta, ali todos os moradores se conheciam. Certo dia, encontrou-o sozinho, num trecho deserto, e investiu. Puxou conversa, tocava-o com qualquer pretexto, inclinava-se exibindo os seios ainda belos. Lá pelas tantas, abriu o jogo:
– Olha, Juanito, estou morrendo de vontade. Me come, por favor!
Ele a olhou como se não acreditasse no que ouvia e depois abriu um sorriso, ainda mais atrevido que o habitual.
– Como sim, dona Carmen. A senhora ainda é muito gostosa.
Se o “dona” e o “a senhora” doeram, o “ainda” foi como uma faca cravada em seu peito. Mas ela foi em frente, e combinou ir pra casa, deixaria a porta entreaberta, ele entraria quando não visse ninguém na vizinhança. Quando ele chegou, uns 20 minutos depois, ela já estava nua. Despiu-o em minutos e arrastou-o para a cama.
Não foi uma transa memorável, ambos estavam nervosos demais. Para ela, porém, foi inesquecível, a realização de um sonho. Quando ele a penetrava, num ritmo cada vez mais acelerado, mesclavam-se as imagens de Juan e Juanito, pai e filho, seus dois únicos amores. Começou a chorar de felicidade.
No final, sem parar de acariciá-la, Juanito falou:
– Sabe, Carmen, você é um tesão (o dona, o a senhora e, graças aos deuses, o ainda ficaram entre os lençóis molhados). Podemos fazer sempre. Mas temos de ser discretos, vou casar mês que vem, minha namorada está grávida e…
– Traidor! Suma de minha casa! – cortou ela aos gritos.
Juanito não entendeu coisa alguma, mas vestiu-se em silêncio e saiu.
“A história se repete”, disse ela para si mesma. “Juan me fez a mesma proposta, uns 25 anos atrás. Sem-vergonhas, pai e filho…”
E então ela se flagrou pensando no bebezinho que ia nascer. Viu-o tornar-se uma criança linda, depois um belo adolescente, ainda mais bonito que o pai e o avô na mesma idade, e depois um jovem sedutor de sorriso atrevido, ainda mais sacana que os de Juan e Juanito. E soube, no fundo do coração, que, aos 74 – 75 anos, se apaixonaria perdidamente pelo jovem que poderia ser seu neto (mas não era). Sentiu, em cada poro, que o seguiria pelas ruas do bairro, sorrindo para ele com a boca murcha. E ele riria dela, desprezaria o amor antes partilhado apenas com Juan e Juanito. Ela seria alvo das zombarias de todas as vizinhas, não podia aceitar isso.
Tomou um banho, removeu quaisquer vestígios dos fluidos do amante. Depois vestiu-se recatadamente, fechou portas e janelas e abriu o gás. Antes de dormir para sempre, escreveu num papel: “Amo meu homem, meu filho e meu neto, mas cansei. Adeus”.
As vizinhas estranharam, Carmen não tinha filhos. Mas versões dos fatos, romanceadas e com um compromisso mínimo com o acontecido, sempre vêm à tona e circulam no subúrbio, contá-las e ouvi-las ajuda a passar o tempo e, melhor, não custa um tostão. E assim surgiram as diferentes versões do causo A Mulher que Cansou de Amar, algumas sóbrias, outras delirantes.
É por isso que o realejo pobre que de tempos em tempos percorre as ruas do bairro – e que inspirou Homero Manzi e seu filho na criação do magnífico tango El último organito – sempre termina sua visita diante da casa da vizinha morta. Em sinal de respeito. Porque se, como escreveu Manzi, no dia em que o realejo se for para sempre, a alma do subúrbio ficará sem voz, no dia em que a viúva optou por partir, exausta de tanto amar, foi o coração do bairro que se quebrou.