Quebrando regras
A mulher que não falava esgotou-se pelas letras na volúpia e no crime

Acostumada a aceitar conflitos, mal sabiam eles que detrás de tanta polidez havia uma mulher inconformada.
Sempre obediente e tranquila lidava melhor com livros do que com as falas. Tentara algumas vezes impor o seu entendimento, contudo, nunca obteve sucesso; mesmo porque criança não participava de conversas.
Desistiu de se colocar.
Voltou-se para a sua mente criativa, encolhida no corpo que aos poucos foi se transformando em mulher. Sua introspecção levou a não saber exatamente o que queria da vida.
Aceitava, sem pensar, sem reclamar, simplesmente dava um ok.
Durante anos e mesmo parte da maturidade, “ela deixou a vida levá-la”.
Tudo que podia acontecer, aconteceu.
Cada vez mais engoliu palavras, criando um enforcamento na garganta.
Com o tempo perdeu a voz; o silêncio passou a ser companhia.
O timbre já grave, baixo, introspectivo e o medo moldaram a sua expressão.
O peso da incomunicabilidade trouxe a depressão que a retirou do convívio social de modo arrebatador.
Descobriu a escrita e, conseguiu gritar pelas letras maiúsculas.
Vestiu personagens com liberdade de vontades, de desejos, de raiva, de descontentamento, de espanto.
Desabrochou.
Nos bastidores das letras, sem censura, viveu todas as possibilidades de descontar o tempo no “cale-se!”.
Escreveu como criança, como mãe, como pai, como estranhos, como amigos e até inimigos.
Esgotou-se na volúpia e no crime. Na santidade e no perdão.
Compreendeu o poder das cartas, dos bilhetes, dos cartões-postais, dos e-mails, das mensagens gráficas.
Aceitou a fonética muda e desenhada.
Escritora.
Discordante, refugiava-se no teclado até onde sua mente esgotava as palavras. Textos íntimos nunca publicados, válvula de escape – saúde mental a ser preservada.
Vômitos de entulhos digeridos foram remédios para a causa do mal-estar.
Por vezes, sem acesso ao digitar, papel e caneta à mão pontuavam censuras de verbalização.
O quanto o falar escrito moldou a sua vida.
Espantou-se com a coragem do ato heroico da gargalhada, das impropriedades, o tom de voz liberados sem sonorizar uma sílaba.
Oprimida, contida, salvou-lhe a escrita.
Nela, ninguém a vê.
Interessante!
A mulher que não falava, tornou-se best-seller na sua mensagem. Quebrou regras, surtou, abriu caminhos.
E, se forçada, até em libras, podia se expressar.
