Não sou sonhadora no sentido exato da palavra, ainda mais sonhos fictícios, já que não os vislumbro há séculos. Deve ser porque, ainda pequenina, a vida me mostrou a cara, sem máscara, e isso não me fez devaneadora.
— Júlia, mas uma vida sem sonhos é muito triste!
— Armando, meu querido, vivo o possível. Quanto ao impossível, deixo para os filmes da Disney.
É lógico que tive meus sonhos, o que é até esperado em todo ser humano. Todavia, quando vi meus castelos caindo um a um, sabia que a decepção do sonho não realizado é muito maior do que a do não sonhado.
— Mas, Júlia, onde fica a felicidade nisso tudo?
— Armando, meu amado, felicidade é propaganda de margarina, que, na realidade, é algo inventado pela indústria alimentícia. A vida é que nem manteiga, se bobear, fica rançosa no menor descuido.
Se sou infeliz? Hum… Não diria que a infelicidade seja algo que me acompanha. Precavida, talvez, seja a palavra mais adequada, mas que poderia facilmente ser recambiada para algo menos dramático como, por exemplo, conscientizada ou, melhor ainda, acautelada. Taí, gosto de acautelada! Pois é algo que quase me define, caso não fosse por essa constante metamorfose sobre o sentido da vida que me persegue.
— Mas, Júlia, não é possível que você não busque nunca a felicidade.
— Armando, meu tesouro, tá vendo esta tigela vazia?
— Sim. O que tem isso a ver?
— Você bem sabe que, não faz nem dois minutos, ela estava transbordando de sorvete.
— Tá, mas e daí?
— Daí que felicidade não é nada além do que esses parcos momentos com sabor de sorvete de morango, chocolate ou, caso queira, flocos. Você se delicia por um instante e, já no minuto seguinte, percebe que enjoou. Nem mesmo uma colherada, por menor que seja, vai lhe fazer bem.
Armando, meu marido, um tolo em busca da felicidade eterna, ainda não percebeu que a vida é como um barco sem leme em mar revolto ou que desce sem rumo em rio caudaloso repleto de rochas pelo caminho.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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