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Heróis ou omissos?

A volta dos que se foram parece ter subido no telhado

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior* - Foto de Arquivo/Lula Marques - ABr

Parlamentares e militantes bolsonaristas acusam e atacam publicamente alguns militares da elite das Forças Armadas, aos quais denominam de petistas, lulistas e até de melancias, isto é, verde oliva por fora e vermelho por dentro. Tudo isso porque eles se opuseram ao golpe de Estado planejado pelo então presidente Jair Bolsonaro, com a anuência de uma dúzia de generais, de um almirante e de um exército de governadores, senadores, deputados, prefeitos, vereadores e “patriotas” loucos pelo poder. Há dúvidas sobre as convicções democráticas dos generais Freire Gomes e Valério Stumpf, respectivamente comandante e chefe do Estado-Maior do Exército à época.

Às favas com as convicções. Importante é a contribuição para o fim definitivo do que mal começou. Também convicto, o brigadeiro Baptista Junior, então comandante da Aeronáutica, ainda hoje sofre com os ataques das viúvas de Jair Messias. Os três são acusados por alguns de omissão, pois tinham conhecimento da ilegalidade e não a denunciaram. Só o fizeram depois da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ou seja, já sob um novo governo. Há controvérsias a respeito do argumento justificando o silêncio. Segundo os generais, contar significaria substituição sumária, o que deixaria Bolsonaro com a faca, o queijo e a marmelada na mão. Os acusadores insistem em lembrar que o governo golpista se encerrou no dia 31 de dezembro.

Para esses alguns, tiveram tempo suficiente para se manifestarem. Pode ser. As dúvidas vão da lisura ao tratamento dos generais. Eles devem ser vistos como heróis ou omissos? Sinceramente, a pergunta é de somenos importância. O que sei é que, ainda que tardiamente, eles deram a cara para bater. Se choraram ou se sorriram, só eles poderão dizer. O que também sei é que eles viveram – e vivem – fortes emoções. E estão pagando caro por isso. Atrasados ou não, os generais e o brigadeiro agiram. Tudo bem que somente depois da informação oficial da posição do governo dos Estados Unidos. Irrelevante.

Relevante é que, ao contrário de 1964, os norte-americanos se manifestaram contra o golpe, consequentemente pela manutenção da diplomação e da posse de Luiz Inácio em janeiro de 2022. Para as milícias bolsonaristas, infestadas de terroristas fracassados, o general Valério Stumpf é um traíra. Para mim, independentemente das dúvidas, ele entrou para a história brasileira mais recente por ter respeitado as normas democráticas. Didaticamente, está claro que, para os desordeiros da extrema-direita, cumprir a obrigação constitucional no Brasil é crime. Não conheço a trajetória do militar, mas seus familiares devem estar orgulhosos por ele ter tido coragem de defender a democracia “em tempos complexos”.

Além dos militares estrelados, o senador Rogério Marinho (PL-RN) também foi repreendido pelos “patriotas”, notadamente pela ala militar radical do bolsonarismo. Tudo porque o senador e ex-ministro de Jair Messias buscava alternativa democrática para o retorno de Bolsonaro ao poder. A alternativa era simples: esperar até 2026. Na avaliação antigolpista de Marinho, Luiz Inácio e o PT enfrentariam dificuldades para governar, o que poderia abrir caminho para um retorno triunfal da direita ao Palácio do Planalto. Apesar das boas intenções, o parlamentar norte riograndense parece ter esquecido de combinar a estratégia com os russos endeusados por Garrincha.

Derrotado por Rodrigo Pacheco (PSD) na tentativa de se eleger presidente do Senado em 2023, desde então Marinho assiste, de camarote ou de tamborete, à derrocada do falso império do Bozo. Enquanto documentos contraditórios e comprometedores pululam na República, Lula da Silva, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes estão vivos. O melhor da ópera bufante é que militares golpistas e militantes do ódio foram presos aos montes, homens-bomba flutuam no inferno, bolsonaristas se escondem no Congresso ou deram uma fugidinha sem Jair e, quem diria, até o senador Ciro Nogueira (PP-PI) nega ter sido um dia um bolsonarista de mala e cuia. Está no seu DNA, mas dói menos acreditar. Diante dos fatos, o epílogo desta narrativa é simples: parece que ninguém quer mais a volta dos que se foram.

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*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

 

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