Não, não é uma obra de Robert Louis Stevenson. Nem as personagens estão envoltas pelo fog nas ruas de Londres — o que vocês lerão é uma grave denúncia de fatos terríveis ocorridos aqui mesmo no Brasil, mais precisamente num estado rico e tradicional.
Um casal de classe média alta, tentando salvar seu casamento, recebe a indicação de um médico psiquiatra de confiança e agenda uma consulta. O que era para ser a salvação de uma relação familiar difícil torna-se um pesadelo.
O médico psiquiatra Sérgio Cutin, de Porto Alegre, atendia Aloísio (marido, nome fictício), enquanto seu cunhado atendia Marlene (esposa). Após um tempo, o marido entende que já não precisa mais do tratamento e deixa de frequentar os atendimentos de Cutin. Marlene, ao contrário, decide continuar e busca o médico, acreditando que seria o mais adequado para dar sequência ao tratamento.
Foi então que começou manipulação absurda por parte do médico. Com seu poder de persuasão, o Dr. Sérgio Cutin faz de Marlene totalmente dependente de sua figura e seus caprichos — não porque ela o via como homem, mas como um guia que a ajudava a entender as dificuldades de seu casamento. Ele, a partir de então, se aproveita da fragilidade do relacionamento e da dependência criada.
Começa aí o pesadelo onde vidas humanas são violentamente transformadas. E para pior. Após mais uma consulta, já em em direção à saída, o médico encaminhou-a até o Uber e lhe deu um beijo sem consentimento. A vítima, atordoada, dirigiu-se à sua casa.
Por conta de um temor reverencial, ela continuou comparecendo às consultas, porém sem coragem de falar sobre o ocorrido anterior. A figura de Cutin impunha medo: ele conhecia suas carências e fragilidades, usando-as para persuadi-la cada vez mais. Utilizava pequenas declarações, insinuações, jogos de palavras, num estilo capcioso que jamais deveria existir na relação entre os dois, para mantê-la cada vez mais “submissa”. Afinal, ela desejava se curar e salvar seu casamento, e ele se apresentava como seu salvador. Era o “remédio” certo para a “doença” certa (mas era apenas um manipulador e sua manipulada).
Todo o processo de manipulação – apoiado por farta utilização de fortes medicamentos sob controle, resultou em mais do que apenas o beijo forçado. Durante a pandemia, o Dr. Cutin passou a atender todos os seus pacientes em sua casa e, em duas ocasiões, ocorreram relações sexuais. Marlene sabia que aquilo era errado, mas como questionar alguém que supostamente estava ali para ajudá-la? Quando finalmente revelou tudo ao marido, ele ficou chocado e não quis acreditar que o médico da família fosse capaz de tamanha barbaridade.
Um predador raramente tem apenas uma vítima — ele as coleciona, e com o psiquiatra Sérgio Cutin não seria diferente.
Como médico experiente ele penetra no mais profundo da mente humana e, sem qualquer pudor, aproveita-se dessa vulnerabilidade para fazer suas vítimas. Aliam-se aí a depravação sexual dele e a fragilidade de seus pacientes.
Um jovem (chamaremos de Joel) de 26 anos (hoje com 57) procurou ajuda porque “não aguentava mais”. Ele não compreendia por que havia sido rejeitado por seus pais (que, devido a dificuldades financeiras, o entregaram a um casal de tios, durante um período da sua infância), por que fracassava em seus relacionamentos, e estava em conflito após sua primeira relação homossexual, que o levou à depressão.
Em um dos atendimentos, Joel confidenciou ao médico que havia realizado uma cirurgia estética no glúteo. Ao mostrar o resultado, houve uma relação sexual – algo que ele, sob manipulação psiquiátrica, entendeu como “normal” na época. Cutin, entre outras perversidades, dizia ao paciente que ele era sua “nova putinha”. A descrição pormenorizara de suas práticas sexuais causa espanto e nojo.
O que inicialmente seguia o padrão médico-paciente transformou-se em autêntico filme de terror. Ao perceber, a vítima tentou abandonar o tratamento, mas o médico a convenceu repetidamente a continuar, tornando-a cada vez mais dependente emocional e medicamentoso. Como sempre buscou a “cura” e uma felicidade que não conseguia alcançar sozinho, Joel persistiu.
Sérgio conseguiu convencer que as pessoas ao seu redor apenas queriam o status que ele poderia oferecer, inclusive seus irmãos, a quem o médico tratava como “religiosos hipócritas”. Qualquer tipo de confiança que a vítima conquistava era minada por Sérgio, que sempre alegava que as pessoas estavam perto da vítima por “interesses”.
A cada troca de medicação, a situação da vítima piorava, chegando ao ponto de pensar em tirar sua própria vida. Não conseguia nem ao menos levantar-se da cama e faltava ao emprego (que era seu último prazer). Seu psiquiatra não oferecia nenhum conselho, ao contrário, aprofundava o drama existencial vivido.
Em uma das maiores crises de ansiedade, a vítima ligou tanto para o médico que, após muita insistência, ele foi até o local e lhe deu um remédio para dormir. A vítima lembra-se do que o médico falava: “Olha pra mim, eu te amo, você entendeu? Eu te amo!”, repetindo a frase várias vezes.
Uma testemunha ocular afirma que neste momento o médico sentou-se no sofá e solicitou uma dose de whisky. Joel, ao acordar no dia seguinte, percebeu que Sérgio estava em seu sofá, embriagado, e só acordou quando sua esposa ligou.
Com todo ocorrido, a vítima revelou mais um acontecimento ao médico: entre os 9 e 12 anos, foi abusada por um homem. Após o relato, não houve nenhum tipo de comentário de Sérgio, apenas um “precisamos marcar uma nova sessão para falar mais sobre esse assunto”.
E foi na sessão seguinte, enquanto falava sobre o abuso, que o Cutin abaixou as calças e mostrou estar excitado, deixando a vítima em choque e aos gritos: “estou te falando minha história de ter sido abusado sexualmente quando criança, para você nunca mais me tocar, nunca mais tentar me beijar ou fazer sexo oral em mim novamente! Todas as vezes que você faz isso me sinto abusado, me sinto impotente! Nunca mais toque um dedo em mim!”
Os relatos acima das duas vítimas revelam a crueldade de um médico — na verdade, um monstro — que usa sua profissão para manipular pessoas em estado de total vulnerabilidade. Dessa forma, ele consegue mantê-las sob seu controle e abusá-las tanto psicológica quanto sexualmente.
Sérgio Cutin é um médico psiquiatra que já gozou de boa reputação em Porto Alegre. Atendeu importantes figuras da elite gaúcha e circulou com desenvoltura entre seus colegas. Foi figura constante em congressos da categoria, personagem badalada em acontecimentos festivos e colunas sociais. Sorridente, alegre e bem vestido, ele desfilou pelos salões dos clubes do soçaite gaúcho, convivendo com os potentados locais, posando para fotos e dando entrevistas. Era o médico – mas, secretamente, também já era o monstro.
Faz alguns anos que fatos como os abusos aqui relatados passaram a ser comentados à boca pequena. Com o tempo, seus desvios de conduta profissional e as manipulações de pacientes, além, é claro, das perversões sexuais, passaram a ser segredos de Polichinelo: meia Porto Alegre já sabia e sua vida passa a mudar.
Sérgio Cutin é integrante da influente e respeitada comunidade judaica local. Avessos aos escândalos, os judeus gaúchos passaram à segrega-lo, num duro golpe para o médico e sua reputação.
Cutin, um bolsonarista declarado e militante, mantém uma vida dupla, algo misteriosa. Nos fins de semana e nas noites frias da capital gaúcha ele sempre é visto comandando um grupo grande de motociclistas. Eles vestem roupas pretas de couro, avançam sinais, se reúnem em postos de gasolina e bares onde consomem fartamente bebidas alcoólicas, sempre fazendo imenso barulho em dezenas de possantes máquinas, além de buscarem confrontos físicos e agredirem verbalmente alguns transeuntes.
O médico abusador já foi denunciado ao Cremergs, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul. Várias de suas vítimas judicializaram as tenebrosas histórias relativas ao seu comportamento.
Em cada processo – e eles estão em nosso poder – há os relatos pormenorizados e a descrição de vidas transformadas ao sabor de um homem caprichoso e mau. Um dos maiores advogados criminalistas de São Paulo, experiente em questões de abusos psicológicos, sexuais e de vários tipos de assédio, ao examinar as denúncias das vítimas de Cutin, transformadas em acusações junto ao Cremergs, foi taxativo: “processos bem instruídos, material que impressiona, denúncias robustas e com fundamentação”. “Poucas vezes vi tanta miséria humana, tanto desrespeito aos semelhantes”, salientou o criminalista.
Outras vítimas já acionaram a ABP, Associação Brasileira de Psiquiatria, em outubro de 2024. Contestam e estranham a participação de Sérgio Cutin em atividades da ABP, como congressos, palestras e cursos, além de solicitarem seu desligamento da instituição representativa da classe.
Denunciado na justiça, Cutin deverá ser citado proximamente em processo criminal. Na área cível, também, já há denúncia. Os casos semelhantes terminaram com condenações pesadas: o Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) publicou, em julho de 2022, a decisão do processo contra Bayron Nobre Filho, iniciado em 2015. O psiquiatra, que abusou sexualmente de pacientes, teve seu registro cassado após sete anos da apresentação da denúncia.
Outro médico psiquiatra foi condenado a mais de 20 anos de prisão por abusos sexuais contra pacientes em Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio. Os crimes de Cláudio Roberto Azevedo só foram descobertos graças à coragem de uma das vítimas, que denunciou o caso à polícia. A Justiça, em junho de 2021, condenou Cláudio a 20 anos e seis meses de prisão em regime fechado pelos crimes de estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude.
No Estado de Santa Catarina, um médico psiquiatra aproveitou-se da fragilidade de paciente que procurou o atendimento de saúde municipal de Joinville para tratar-se de depressão, e a estuprou durante a consulta. A Justiça acolheu na íntegra a denúncia do Ministério Público Estadual e, em fevereiro de 2022, o condenou a 12 anos, cinco meses e 10 dias de reclusão em regime fechado, sem direito a recorrer em liberdade, e ao pagamento de R$ 25 mil à vítima como reparação de danos morais.
Um dos advogados ouvidos por nós, compara a atuação profissional de Sérgio Cutin à do tristemente célebre Dr. Mengele: “o Dr. Cutin está denunciado por crimes terríveis, por sua atuação dantesca, por ter usado miseravelmente mulheres e homens que o procuraram em busca de apoio e cura. Parece que o Cremergs o está protegendo ao engavetar denúncias sérias e irrespondíveis. Espero que seja apenas uma impressão e aquele Conselho apenas esteja atrasado no exame das denúncias de um verdadeiro lodaçal”.
O advogado criminalista salienta: “Já há uma tradição na justiça brasileira de se punir com imenso rigor os profissionais da medicina que traíram o juramento de Hipócrates e abusaram de seres humanos indefesos, enfermos e em situação de fragilidade emocional. Vamos romper o visível círculo de proteção ao monstro do Guaíba e fazê-lo pagar pelas vidas que destruiu quando deveria fazer o contrário em sua missão de médico. Cutin é o Mengele gaúcho e deverá ser condenado e pagar na cadeia por seu comportamento criminoso!”
Mengele foi o médico que transformou em cobaias milhares de prisioneiros dos campos de concentração nazistas. Josef Mengele jamais foi preso ou punido e fugiu para a América do Sul, onde viveu entre a Patagônia argentina, o Paraguai e o litoral paulista, onde morreu afogado em prazeroso banho de mar.
As denúncias contra o médico psiquiatra Sérgio Cutin que estão no Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul há 3 anos, já se encontram próximos à prescrição. O Conselho, diante da denúncia, permanece inerte, e ele continua atuando enquanto suas vítimas – que tiveram suas vidas atingidas de forma dolorosa, ainda guardam imensas e duras cicatrizes na memória – lutam por justiça e reparação pelos imensos males causados pelo médico psiquiatra Sérgio Cutin.
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*Colaboraram correspondentes no Rio, São Paulo e Santa Catarina