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Abraço vira algo virtual no país do capitão genocida

“O melhor lugar do mundo. É dentro de um abraço”, a música da banda mineira Jota Quest fala sobre uma das principais expressões de carinho que é lembrada neste sábado (22): o abraço. A letra continua, e mostra tudo que esse pequeno gesto pode fazer: “Tudo que a gente sofre. Num abraço se dissolve. Tudo que se espera ou sonha. Num abraço a gente encontra”.

Mas, para lembrar este Dia do Abraço, milhões de pessoas entoam Gilberto Gil. Alô, Rio de Janeiro, Chacrinha, Banda de Ipanema, povo brasileiro (…) que me esqueceu (ou se arrependeu de 2018 pra cá) também aquele abraço. É assim, hoje, o Brasil do presidente Jair Bolsonaro. E os que pensam assim, trocam o verbo de Gil (esquecer) por outro (morrer), principalmente quando temos um negacionista no Palácio do Planalto, de quem não seria surpresa ouvir, diante de 450 mil mortes, mais um arroubo de “aquele abraço”.

Sobre o simples ato de abraçar, porém, a presidente da Federação Latino-Americana de Análise Bioenergética (Flaab), Edna Lopes, diz que quando abraçamos alguém, ou quando somos abraçados, “a gente se conecta com o campo afetivo íntimo no corpo de ambas as pessoas. A respiração, o ritmo cardíaco podem se harmonizar em um abraço demorado”. Edna explicou que o abraço pode acolher várias emoções, como tristeza e medo. Pode dar limites à raiva; pode ampliar as sensações prazerosas, amorosas, de todo tipo de amor vivido, como amor filial, fraterno, entre casais e até com animais. Para ela, o abraço é a expressão do vínculo que nós estabelecemos com as pessoas, mas também com tudo que está no mundo, com tudo que nos envolve.

Sinais corporais
A professora do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Edna Ponciano, explicou à Agência Brasil que a experiência emocional é toda manifestada por sinais corporais que indicam se o que a pessoa está vivendo é bom ou ruim. “Nesse sentido, o abraço entra como uma forma de sinalizar que uma coisa boa está acontecendo”. Destacou que isso se refere ao abraço consensual, em que há consentimento de ambas as partes e que vai comunicar um bem-estar.

De acordo com Edna, desde bebê, o ser humano tem diversas sensações afetivas e, embora não possa falar, seu corpo já se expressa e o adulto que cuida já percebe essa expressão. À medida que vai crescendo, o bebê demonstra tristeza, alegria, raiva. “E o abraço entra em todas essas situações, no sentido de propiciar um conforto para a intensidade da experiência emocional que ocorre no corpo. Os bebês são acalentados no abraço”. A criança sente o corpo do adulto que o acalenta, como já sendo um abraço.

O que gera essa sensação de calma é o nervo vago, que vai subindo desde a parte baixa da barriga, como ramos que não têm uma linearidade clara, e vão se espalhando, passando pelas vísceras, estômago, coração, laringe, faringe e pulmão.

“O nervo vago tem a ver com o abraço, porque quando você abraça, você encosta o seu nervo vago com o da outra pessoa. Se resume em encostar a barriga com a barriga e o peito com o peito da outra pessoa, que é o abraço. Isso acontece com os bebês e dá a sensação de calma e, depois, continua sendo importante na vida adulta”.

O abraço faz parte do comportamento dos brasileiros que, agora, no distanciamento social, inventam meios de se tocar com os cotovelos ou mãos fechadas. “É uma característica cultural. Mas nada substitui o abraço, porque não toca o nervo vago e não dá aquela sensação de calmaria”, assegurou Edna Ponciano.

Abraços em tempos de pandemia
Para o professor de psicologia médica da Pós Graduação em Psiquiatria da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio), Luiz Guilherme Pinto, a situação que o mundo está vivendo neste momento, por conta da pandemia do novo coronavírus, é muito particular. Segundo ele boa parte da população que está tomando todos os cuidados recomendados pelas autoridades sanitárias “está carecendo de abraços”.

É o caso da professora aposentada Maria das Dores, que mora no Distrito Federal e é mãe da Priscilla, que mora em Sidney na Austrália. Os voos de um país para o outro duram cerca de 30 horas. Já no início da entrevista a aposentada disparou: “Quando você fala do abraço, chega me aperta o coração! O quanto sinto falta! Nossa!”. Mesmo com pedidos de que “só não valia chorar”, a aposentada não conseguiu conter as lágrimas, disse.

Isso porque Maria das Dores já estava com passagem comprada para o mês de abril para comemorar o aniversário do netinho mais velho, Henry. Quando veio a pandemia, ela soube que outro netinho estaria a caminho e como teve de alterar a data da passagem, marcou para junho, quando o pequeno Benjamin nasceria. “Depois disso, já remarquei minha passagem duas vezes. Meu visto perdeu a validade! Minha passagem a empresa disse que vai reembolsar, só não sei quando.”, disse ela, que comentou que o custo emocional é muito maior, pois não pôde acompanhar nem o nascimento nem o tratamento do neto que chegou a ir para a UTI. Os presentes que ela comprou ainda estão no Brasil: roupinhas para bebê, brinquedos. “Essa é uma situação que eu nunca imaginei, ninguém imaginou! Sinto falta de brincar com meus netos, de abraçar, de estar presente!”, desabafa.

Para amenizar a saudade, Maria das Dores recorre ao bate papo virtual: “Hoje mesmo, à noite, minha filha vai fazer chamada de vídeo entregando um presente que eu comprei e mandei entregar lá. É uma arminha de bolha de sabão. Estou sonhando com esse momento”, relata.

Já personal trainer Henia Aquino conseguiu realizar o sonho de voltar a abraçar a mãe, já vacinada. “Depois de um ano e meio eu dei o primeiro abraço na minha mãe porque ela já tomou as duas doses da vacina. Eu tenho tomado todos os meus cuidados e esse abraço foi muito bom”, comemorou.

Saúde Mental
Na avaliação do psicólogo Marcello Santos, do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ), o abraço é a poesia do mundo sem palavras. “É aquele momento em que você envolve o outro e o outro te envolve. É o momento em que você acolhe aquilo que o outro está trazendo. Você acolhe o outro incondicionalmente no seu abraço e isso faz com que o sujeito se sinta dentro de um clima de hospitalidade, de cordialidade, de afeto. Como falam em algumas culturas, é o choque de corações”.

Santos reforçou que o abraço requer uma certa intimidade que, às vezes, ocorre naquele único momento, como acontece muitas vezes em jogos de futebol, quando os torcedores se abraçam para comemorar um gol do seu time. Ou no Ano Novo, em que pessoas desconhecidas uma das outras acabam abraçando alguém para ter um contato. “É o encontrar com o outro. Nesse sentido, é muito bom para a saúde mental, se pensar que a saúde mental não é só uma questão do organismo, mas de um contexto que vai desde o acesso aos serviços até a boa vida em família, o lazer, o encontro, o contato com o outro, de formas saudáveis”, disse Santos.

Ato de afeto
Os psicólogos da Eurekka, centro de distribuição de empresas emergentes, focado em saúde e bem-estar, com forte atuação em psicoterapia e medicina, comentam a importância do abraço, ato de afeto que pode diminuir sintomas como depressão, pânico, solidão, abandono, entre outros sentimentos que têm abalado emocionalmente a população.

Para o psicólogo Henrique Souza, cofundador da Eurekka, embora se saiba que o cenário atual tem afastado pessoas e provocado uma série de problemas psicológicos, a demonstração de carinho continua sendo muito importante, principalmente entre famílias, crianças e idosos. Na sua avaliação, abraçar alguém na pandemia não significa apenas o contato físico. Essa ação pode acontecer de diversas formas, desde indagar se a pessoa está bem até ajudar em algo que ela precise.

“Existem várias formas de abraçar uma pessoa. Você pode começar se envolvendo na causa dela, perguntando se ela está bem, se precisa de algo para aquela semana, se os familiares dela estão bem. Pode fazer uma chamada de vídeo para estabelecer mais contato ou até mesmo dar suporte para algo que aquela pessoa precisa naquela semana, como ir à farmácia, mercado, padaria, e poupar o outro da exposição”, destacou Souza.

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