Lá nas minhas terras de Minas Gerais existe uma expressão bastante antiga: “cair no conto do vigário” é o mesmo que ser enrolado, feito de bobo, tapeado. Quando você se dá por si, está lá, enredado na lábia de alguém que dá voltas e voltas sem chegar a lugar nenhum.
Me lembrei dessa expressão revendo alguns dos muitos pedidos de Acesso à Informação feitos durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. Isso porque, em vários deles, quando confrontei Ministérios e Secretarias com pedidos diretos de informações que deveriam ser públicas, recebi respostas rocambolescas negando o acesso aos dados.
Como explicou Bruno Morassutti, cofundador da Fiquem Sabendo, em entrevista para a Agência Pública, houve um aumento estratégico da imposição de sigilos durante o governo Bolsonaro. Um dos casos mais emblemáticos foi o processo administrativo do Exército contra o general Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde e agora deputado federal eleito, por ele ter participado de um ato político a favor do presidente. Apesar de ser um trâmite envolvendo um funcionário público e conduzido por um órgão público, o Exército se recusou a fornecer o teor do processo e o colocou sob sigilo de 100 anos.
Nem todas as negativas à informação no governo Bolsonaro foram assim, diretas. Em várias situações, os órgãos federais foram bastante criativos em enviar justificativas que impedissem o acesso a dados públicos.
Uma delas a acusação de estar “pescando informações”. Isso mesmo! Ainda no primeiro ano da gestão de Bolsonaro, pedidos de informação feitos a órgãos como o Itamaraty foram negados com a justificativa de que seriam “fishing expedition”, isto é, que buscavam reunir um “conjunto de documentos não relacionados entre si” para então “selecionar a informação que seria de interesse”. A reportagem contando o caso levou a um posicionamento categórico da Controladoria Geral da União (CGU) contra a utilização da “pescaria” como critério para negar o acesso à informação.
Já em outra ocasião, em junho deste ano, foi feito um pedido de detalhamento dos gastos da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), uma espécie de “universidade dos militares”. Foi de lá que partiram muitos militares de alta patente que formam o governo Bolsonaro, como o candidato a vice de Bolsonaro, Walter Braga Netto, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Segundo o Exército, não é possível enviar as despesas detalhadas da AMAN pelo sistema deles. Então eles sugeriram que fosse até a Praça Duque de Caxias no centro do Rio de Janeiro levando um pen drive para buscar a resposta ao pedido de informação — isso muito antes de Eduardo Bolsonaro viajar até o Catar para levar conteúdos sobre a “situação do Brasil” em pen drives. Além disso, era preciso agendar horário para a retirada, mas a tenente que deveria atender o telefone nunca estava lá.
Durante a pandemia, diversos órgãos do governo federal se recusaram a responder pedidos de informação usando a covid como justificativa, dizendo que a força de trabalho havia sido reduzida por causa do trabalho remoto e atendimento de serviços essenciais.
Três pedidos foram negados pelo Ministério das Relações Exteriores bem no início da pandemia, no dia 3 de março de 2020, quando o Brasil tinha apenas dois casos confirmados de infecção pelo coronavírus e nenhuma morte. Neles, foram requisitadas mensagens diplomáticas para os Estados Unidos que tratassem da deportação de brasileiros. Na época, o ex-presidente Donald Trump havia intensificado as prisões e as deportações de imigrantes e Bolsonaro, por sua vez, o defendia: “é um direito daquele chefe de Estado, usando das leis, devolver aqueles nacionais”, disse na época.
O excesso de trabalho talvez tenha sido a justificativa mais comum para recusar o acesso a informações públicas durante o governo Bolsonaro. Mais uma do Itamaraty: quando questionado sobre as comunicações envolvendo a política alemã de extrema-direta Beatrix von Storch, foi informado que a carga de trabalho para responder a solicitação seria enorme: “235 horas de funcionários diplomáticos ou o equivalente a um diplomata trabalhando por 6 semanas exclusivamente para o fornecimento dessa informação”, disseram. Como essas horas são calculadas — ou o por quê dessas comunicações não estarem organizadas de forma estratégica para o governo brasileiro — ainda é um mistério.
Assim como no conto do vigário, vários desses pedidos entraram numa conversa sem fim de justificativas e recursos que, infelizmente, tiveram desfechos desanimadores para quem preza pela transparência da gestão pública.
É justamente a perspectiva de mudança de governo que nos anima para retomar essas investigações e finalmente abrir a caixa-preta do governo Bolsonaro.