Após cerca de quatro meses de negociações, a gigante brasileira da mineração Vale S.A. e o governo de Minas Gerais acordaram quanto ao pagamento de uma indenização de R$ 37,7 bilhões às vítimas da catástrofe de Brumadinho. Originalmente, o governo mineiro exigira R$ 55 bilhões para reparação tanto dos danos socioeconômicos quanto ecológicos.
Apesar da soma reduzida, o governo festejou entusiasticamente o acordo. Diante do prédio do tribunal, no entanto, reinava a insatisfação. Familiares das vítimas e atingidos se manifestaram contra o resultado: por um lado, não haviam participado das negociações; por outro, discordavam da divisão das verbas.
“Nenhum de nós foi ouvido”
Vagner Diniz perdeu dois filhos no rompimento da barragem de rejeitos da Vale em 25 de janeiro de 2019. Além disso, morreu sua nora, grávida de cinco meses. “Eu me manifesto totalmente indignado com esse acordo”, desabafou à DW, agência noticiosa alemã.
“O acordo é ruim por diversos motivos. O primeiro está na premissa. É um acordo sobre uma tragédia que teve um impacto socioeconômico e ambiental gigantesco. E em nenhum momento os principais atingidos por essa tragédia foram ouvidos – nem os familiares das vítimas, nem os atingidos, nem a comunidade ribeirinha. Ninguém foi ouvido sobre o teor desse acordo.”
Também Nayara Cristina, da associação de vítimas Avabrum, está indignada: “A gente não concorda, pois não fomos ouvidos. Não houve um convite por parte de nenhum órgão. Eu vejo que eles acham que a Defensoria Pública em Brumadinho responde por nós.” A instituição dos advogados de defesa negociou o acordo em conjunto com o Ministério Público e a companhia Vale.
Distribuição injusta
Cerca de R$ 9,2 bilhões de reais da quantia total se destinam ao programa social de assistência aos atingidos. Ao mesmo tempo, porém, R$ 4,95 bilhões vão para projetos de transportes, como a ampliação do rodoanel e o metrô da capital Belo Horizonte.
“Isso me incomoda tremendamente, porque o governador do estado está fazendo campanha pessoal com o dinheiro alheio”, queixa-se Diniz.
Também Nayara critica a alocação da verba: “A gente está totalmente contra. É muito triste para a gente, é uma politicagem.” No desastre, ela perdeu o marido, empregado da Vale. “Estão se beneficiando em cima de nós. E do sangue dos nossos familiares”, sentencia.
Os afiliados da Avabrum pretendem estudar os detalhes do acordo nos próximos dias. No entanto é pouco provável que vão recorrer da decisão: “Já que está firmado, o objetivo nosso é fazer o possível para esses recursos venham a ser gastos aqui em Brumadinho. Estamos focados nisso agora”, revela Nayara.
Outros R$ 4,37 bilhões irão para a construção de hospitais e melhores equipamentos para o corpo de bombeiros. Também aqui, Diniz é contra: “Esse é um tipo de benefício para a população que deveria ser construído com o dinheiro público oriundo dos impostos. E não oriundo das vítimas.”
E reforça: “O valor da reparação pertence às vítimas de Brumadinho. Ele não pertence ao governo do estado ou ao MP nem à Defensoria, que fecharam esse acordo. Esse valor pertence às comunidades que foram atingidas, e somente eles deveriam ter o poder de decisão da destinação desse recurso.”
Para Diniz, no momento toda a atenção deveria se dirigir ao acompanhamento dos cidadãos que ainda sofrem com a tragédia. Entre eles, também os que perderam todos os seus bens e tiveram que ir morar em hotéis ou em outras cidades.
Mais esperanças
Os desalojamentos causaram sequelas secundárias, de depressão até casos de suicídio. Cada vez mais vítimas passaram a ter que viver à base de medicamentos para conseguir suportar seu destino.
“Eles perderam seu habitat, seu sustento e seu modo de viver. É isso que é urgente”, enfatiza Diniz. “Todo o foco da reparação nesse momento deveria se concentrar no ser humano, porque as vidas estão se esvaindo. Mas você não lê nesse acordo uma urgência para o atendimento humano que está carecendo tremendamente de cuidado.”
Tanto Diniz quanto Nayara colocam agora suas esperanças no iminente processo por homicídio doloso contra 11 funcionários da Vale e cinco da TÜV-Süd, a consultora alemã que, poucos meses antes da catástrofe, atestara a estabilidade da barragem.
Contudo, ambos os familiares têm poucas esperanças de um processo breve no Brasil. “Precisamos de celeridade, mas a gente não está vendo essa celeridade da Justiça. A gente fica naquela sensação de que quem é rico não é punido neste pais”, critica Diniz.
Nayara Cristina coloca grandes esperanças numa queixa coletiva apresentada contra a TÜV-Süd na Alemanha. “Temos mais esperança na Justiça alemã do que na Justiça brasileira. Porque aqui está tudo atrasado. A gente espera mais da Alemanha do que do Brasil. Como brasileira, é triste dizer isso.”