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Sexta-feira no Bar do Maneca

Acredite se quiser, mas bebum conta mais histórias que pescador

Publicado

Autor/Imagem:
Gilberto Motta - Texto e imagem

1.
Cheguei voltando do mercadinho Brisa. Entrei no Bar do Maneca e me acocorei no cantinho. A conversa estava rolando há tempos.

“Perdi alguma coisa, Maneca”.

“Não, Gil, os rapazi tão bem maluquinhos”.

Centrei o foco dos ouvidos e olhos e a coisa se fez mágica.

2.
Discussão entre João e Marcelo sobre as coisas da Pinheira:

“Rapazi, nem sabes, o tempo aqui andes das dunas era um tanto que nem pensas. Tudo era areia, areia, areia. Esses aí nem pensava nada, nada. Tudo era posse e invasão”.

“Como invasão, mô pai chegou antes e comprou tudo alí na Barra do Maruí….nem sabes, merda”

“Como, teu era meu parente, sobrinho de meu tio Anatólio e vizinho de tia Lurdes casada com Zé Birosca”

“Tia Lurdes? Táis loco…tia Lurdes era comadre de minha avó Nezinha e nunca soube dessa história….qualé, mandrião?”

“Peraí, peraí….tú sabes das cosas ali da virada do trevo do posto indo para o Papagaio?”

“Sei um montão de cosas e o que tú sabes do cara que vei antes?”

“Quem veio antes? Alguém de tua família, rapazi?”

“Foi, meu avô chegou ali e comprou tudo, era mangue e areia, comprou e ocê vem me fala de merda de cosa?”

“Opa, não foi assim, não! Teu avô entrou atravessado aqui e foi comprando tudo e depois se fudeu”

“Se fudeu o cacete. Ele fez essa Pinheira inteira. Tu que nem sabes a merda da cueca que veste”.

3.
Acocorado no canto do Bar de Maneca percebo que preciso apenas ficar quieto e vendo e ouvindo. O bicho tá pegando. Percebo que as histórias de cada um valem como relatos definitivos. E aqui, na sexta-feira, com certeza, são depoimentos pessoais fundamentais.

4.
“Tú lembras do Nequinho? Do taxi lá do Maruí?”

“Era irmão de Genésio, primo do Armandinho cabeça de timbó…. cara trabalhador, bão”

“Nada…confundesti…era irmão do Cocoroca, pescado parceiro”

“Cocoroca num era irmão dele não”

“Era e você tá bebum. Era e trabalhou comigo pra cacete”

“Tais maluco, Cocoroca era irmão do Ted lá da Praia de Cima. Pirou”

“Ted era outro tio dele, você que tá loco, rapazi”

“Tá, então pode que seja…mas talvez não”

5.
Continuo acocorado no cantinho e busco o Maneca para explicar-me um pouco do doido (para mim) diálogo.

“O que acontece, Maneca?”

“Seu Gil, aqui as cosa são desse jeito. Cada um tem uma história. Eles enchem a cara de cachaça e ficam contando as coisas. Acredite se quiser”

6.
Gravei imagens, sons, diálogos que eles me permitiram e caminhei para casa tentando entender a língua que eles falam, pois o jeito e a maneira de expressão já aprendi a conhecer. No mais, perdido, chego em casa perdido e tendo escrever “cosas da Pinheira, Gil”, falares, comportamentos e poesias vividas de uma cultura que tento transcodificar para a minha linguagem de pesquisador. No mais, agradeço por aprender tanto, em tão pouco tempo, tamanhas estranhezas e beleza.

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