Impossível falar tudo o que pensamos sobre José Paulo Sepúlveda Pertence, este mineiro de Sabará que nos deixou prematuramente neste domingo (2), apesar de seus bem vividos 85 anos. Em 16 anos de convívio próximo no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, as histórias foram muitas. Tantas que, em minha autobiografia, tive de dividi-las com Carlos Mário da Silva Velloso, outro também muito querido. Muito mais do que ministro, chefe e líder ideológico, Pertence era amigo, companheiro de numerosas viagens nacionais e internacionais, das quais tenho lembranças memoráveis. Enquanto secretário de Comunicação Social dos dois tribunais – cheguei depois, com a mesma função, no Superior Tribunal de Justiça – jamais escondi dos amigos que indagavam sobre o que iria fazer com a mudança de presidente.
Sem pestanejar respondia: Meu futuro a Sepúlveda pertence. E foi assim até que ele e eu nos aposentássemos dos plenários. Inovador, sem medos, extremamente culto e capaz de resolver problemas insolúveis em segundos, José Paulo é imorrível. É daqueles chefes e “parceiros” que, mesmo longe, são incaíveis no conceito profissional e carinhosamente inesquecíveis como pessoa. Pensamentos rápidos e respostas ainda mais ligeiras, ele tinha a facilidade de transformar perguntas complicadas em maravilhosas frases de efeito, daquelas capazes de deixar o interlocutor sem chão para prosseguir. Comumente garantia lead nas conversas com os jornalistas. De uma feita, avaliou as campanhas políticas como sinônimo de “simplificação dos problemas e uma certa negociação de ilusões”.
Apesar do vasto conhecimento técnico e eloquência jurídica, Pertence era extremamente tímido. Em uma viagem a João Pessoa para condecorações que fogem à memória, fomos recebidos à porta do avião pelo então deputado federal Vital do Rego, cujo perfume sentimos ainda no interior da aeronave. Comandante, comissários e passageiros aguardando na fila para o desembarque, Vital se dirige ao ministro e, de forma estridente, inicia a homenagem: “José Paulo Sepúlveda Pertence, excelência de todos os méritos, meritíssimo de todas as excelências”. O homenageado só não voltou dali mesmo porque tinha noção do que sua presença representava para o povo paraibano. Vital do Rego é pai de Vital do Rego, ministro do TCU, e do senador Veneziano do Rego.
A força do pensamento do mestre sempre o levou a ter preocupações com os percalços do Estado Democrático de Direito. Por isso, quando podia, dizia que o fenômeno endêmico da corrupção está na base do desalento democrático. Acima de tudo um sábio aproveitador dos prazeres da vida, José Paulo viveu a plenitude de sua existência. Com ele e amigos do coração, entre os quais Fernando Neves, Paulo Camarão e Athayde Fontoura Filho, conheci todo o Brasil e boa parte do mundo, ora para negociar o empréstimo da urna eletrônica, ora simplesmente para mostrar as reconhecidas facilidades da maquininha de votar. Amante da natureza, Pertence normalmente optava por destinos latinos, particularmente os das américas do Sul e Central, o chamado circuito Indiana Jones.
Mesmo com espanhol macarrônico, nunca passamos perrengue, porque Sepúlveda Pertence estava conosco e tinha resposta para tudo. Foi assim na Costa Rica, onde a bajullación foi sacramentada em português escorreito com a afirmação de que os laços entre brasileiros e costarriquenhos seria para a eternidade. Nome pomposo e longo para um garantidor, defensor ferrenho dos direitos humanos e adorado homem do povo, José Paulo Sepúlveda Pertence marcou sua história como o grande artífice do atual Ministério Público Federal, de onde foi cassado em outubro de 1969, com base no AI-5. Assim como sua história, suas frases nunca serão esquecidas. Na eleição municipal de 2004, indagado por uma repórter sobre o resultado eleitoral, parece que ele antevia o que ocorreria 18 anos depois.
“Antes ouvíamos histórias de jiboia que comia urna eletrônica no Amazonas. Hoje, as emoções são menores. A confiança é maior. O exemplo é a tranquilidade de realização de várias eleições, sem que tenha havido sequer uma manifestação de desespero que ousasse atribuir à urna as derrotas eleitorais”. Uma pena, mas Pertence viveu para ouvir as asneiras que todos ouvimos em 2022. A barba que ele cultivava desde fevereiro de 2005 foi mantida graças a uma de minhas brincalhonas intervenções. Logo após o retorno do Judiciário daquele ano, o eterno ministro do STF e do TSE apareceu barbado. Eram pelos de cultivo recente. Olhei, sorri e, antes que perguntasse algo, ele me respondeu de pronto: “Se algum jornalista quiser saber a razão do novo visual, diga que é um protesto”.
Respondi exatamente isto a quem perguntou, mas nunca soube contra quem ou contra o que ele protestava ou protesta, já que a barba permaneceu no rosto do ministro, jurista e amigo José Paulo Sepúlveda Pertence até sua partida. A esta hora, ao lado de dona Suely Pertence, sua amada companheira de décadas, José Paulo deve estar no céu pedindo todas as vênias a São Pedro para acompanhar Alexandre de Moraes, Benedito Gonçalves, Cármen Lúcia na inelegibilidade do cidadão que, contra o mundo, resolveu um dia se valer da menina dos olhos de Sepúlveda Pertence para achincalhar externamente o país que governava. Descanse em paz, meu chefe e amigo do coração. Você partiu, mas está eternizado nos salões nobres do STF, do TSE, de Minas Gerais e do Brasil que tanto amou. Eis o mistério da vida.