A cor vermelha inunda o cenário do show. Está no figurino, na iluminação – e no sangue que corre em suas veias. No palco, Adriana Calcanhotto abre seu novo show a cantar a inédita A Mulher do Pau Brasil. E logo nos primeiros versos, a cantora e compositora gaúcha, de 52 anos, fala de si mesma: “Nasceu no Sul/Foi para o Rio/E amou como nunca se viu”. Aliás, do pau-brasil, é extraída tinta vermelha. Está tudo conectado nesse novo espetáculo, batizado também de A Mulher do Pau Brasil.
“O pau-brasil foi praticamente dizimado, por causa do tingimento dos tecidos. A Europa usava essa tinta vermelha. Pessoas da nobreza, clero se vestiam de vermelho. Então, quase dizimaram a árvore para que Portugal pagasse sua dívida com a Inglaterra, coisa que não conseguiu”, diz Adriana, ao jornal O Estado de S. Paulo. “Tem muitas coisas dentro da cor: o sangue da escravidão, o sangue indígena derramado, e o próprio fato de quase ser extinto o pau-brasil. Esse vermelho pode não estar representado na bandeira, mas existe.”
A Mulher do Pau Brasil, a música, foi composta por ela para a nova turnê, que teve início em abril, em Portugal, onde Adriana passou temporadas nos últimos dois anos ministrando aulas na Universidade de Coimbra. E A Mulher do Pau Brasil, o show, que já passou por cidades como Salvador e será apresentado dia 29 no Rio (com sessão extra, às 17h30), chega a São Paulo, no Sesc Pinheiros, entre 6 e 9 de setembro. Já é apontado como um dos melhores shows do ano.
O concerto nasceu para ser uma espécie de conclusão de residência de Adriana na universidade. “Fui lá para dar aulas, que eram bem espaçadas de propósito. O produto da residência artística poderia ser qualquer coisa, um livro, um disco, mas o que ocorreu foi o seguinte: lá fiquei consciente o tempo todo dessa experiência que é viver em Coimbra, estar no universo da universidade de lá, que é uma tradição os estudantes brasileiros que vão para Coimbra pensarem o Brasil de fora”, conta. Ela lembrou do show que fez em 1987, em Porto Alegre – quando ainda vivia lá, antes de se mudar para o Rio -, que se chamava A Mulher do Pau Brasil. Na época, Adriana tinha montado a apresentação sob o efeito do Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade (e os ideais modernistas), O Rei da Vela, tropicalismo.
Mesmo três décadas depois, esse deslumbramento continua intacto, e ela decidiu então resgatar seu antigo show quando foi convidada no final do semestre letivo para fazer uma apresentação em um festival local, o Sons da Cidade. “Pensei que a coisa que melhor traduziria aquilo tudo que eu tinha vivido e pensado ali eram essas ideias. Decidi refazer o show da Mulher do Pau Brasil, sendo que evidentemente todos esses anos depois não seria o mesmo. Mantive o nome, algumas canções, fiz com power trio, bateria, guitarra e baixo, porque era um show ao ar livre.” Adriana achava que aquela seria sua despedida, mas, mais tarde, foi convidada para passar mais um semestre na universidade. Foi quando pensou em fazer uma turnê portuguesa do show, com uma nova formação de músicos, já que a partir de então o concerto iria ocupar teatros.
Após o sucesso em Portugal, o show ganhou versão brasileira, com Adriana acompanhada pelos músicos Bem Gil e Bruno Di Lullo. Assim, canções que já estavam originalmente no repertório, como Eu Sou Terrível, de Roberto e Erasmo Carlos (que, nos anos 1980, abria o show e agora fecha), se juntaram a novas canções de Adriana, compostas em Portugal, como a já citada A Mulher do Pau Brasil, antigos sucessos seus, como Esquadros e Vambora, e músicas de outros compositores, como As Caravanas, de Chico Buarque (que ganhou bela releitura na voz de Adriana). Tudo entremeado por poetas como Gregório de Matos. No Brasil, entraram canções como Geleia Geral (Gil e Torquato Neto) e Nenhum Futuro (João Bosco e Francisco Bosco). “Para mim, o show tem aquela sementinha do primeiro. Ele vai passando por músicos diferentes, alguma mudança de repertório, mas tem um cerne que é o mesmo.”